Um dos mais antigos projetos científicos na Amazônia corre o risco de acabar por conta da colonização desordenada da floresta. O alerta está sendo lançado por pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas) e da Instituição Smithsonian, dos Estados Unidos, na edição de ontem (25/07) da revista "Nature".
Os cientistas alegam que o plano de assentar colonos nos arredores de Manaus ameaça o PDBFF (Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais). Segundo eles, em locais já ocupados, caçadores invadiram as áreas estudadas e parte das matas usadas em estudos foram queimadas.
O projeto foi criado no final dos anos 1970 para avaliar o impacto da fragmentação da floresta na biodiversidade. A idéia partiu do cientista Thomas Lovejoy, hoje presidente do Centro Heinz para Ciência, Economia e Ambiente, dos EUA. No auge do desmatamento, ele conseguiu convencer proprietários de terra que iam derrubar a floresta a deixar um espaço predeterminado intacto.
Os cientistas comparam a situação desses fragmentos com o de outros localizados dentro da floresta e vêm mostrando ao longo de décadas como a fragmentação afeta fauna e flora nos trechos remanescentes.
O problema é que a área de estudo, de cerca de 1.000 km2, fica a apenas duas horas do norte de Manaus, no chamado distrito agropecuário da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), e agora está sofrendo pressão do crescimento populacional na capital do Estado. Novas áreas de assentamento foram demarcadas nas proximidades dos sítios do PDBFF e os pesquisadores temem que este seja o começo do fim.
Quando este espaço foi criado, há cerca de 30 anos, ele de fato tinha como objetivo assentar pequenos agricultores, mas logo a área se mostrou improdutiva, conta a pesquisadora do Inpa Regina Luizão, uma das autoras do artigo. "O distrito foi em grande parte abandonado e essa região virou um paraíso para a pesquisa. Mas nos últimos anos, de repente, começamos a ver chegar gente de todo lado", afirma.
Segundo ela, de milhões de dólares investidos por Brasil e EUA no programa pesquisa estão em risco. "Já ficou bem claro que esta área não é propícia para o plantio. Por que, então, voltar a ocupar a região?", questiona Regina.
Ladrões e caçadoresO PDBFF funciona hoje com o estudo de 23 fragmentos. Os trechos dentro das fazendas até estão protegidos, mas aqueles na floresta aberta que são a base de comparação para o estudo estão mais vulneráveis, explica a ecóloga. Isso porque algumas áreas ficam localizadas na beira de estradas vicinais da BR-174 (Manaus-Boa Vista), como a ZF3. Construída justamente para o transporte dos cientistas, ela agora facilita o acesso dos colonos. "Nosso principal acampamento já foi assaltado duas vezes. Onças e pumas que vivem nessas áreas estão sendo caçados", reclama.
"É desencorajador ver que o futuro da ciência não parece estar pesando muito na decisão de retomar os acampamentos", disse Lovejoy à Folha. "O valor de estudos ecológicos assim se compõe com o tempo e o conhecimento acumulado."
Os pesquisadores alertam que há risco para outros estudos científicos localizados nesta mesma região, como o LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). Segundo Flávio Luizão, um dos coordenadores do projeto e marido de Regina, a ocupação já começou a afetar alguns trabalhos.
Uma das pesquisas, por exemplo, mede a emissão e captura de gases na floresta, sobretudo o gás carbônico, o que tem servido para avaliar o papel da mata no combate ao efeito estufa. Recentemente, os pesquisadores notaram que um assentamento localizado perto da torre de medição estava afetando os números, já que as queimadas da floresta elevaram a emissão de CO2.
Os cientistas pedem que seja estabelecida pelo menos uma área tampão de alguns quilômetros para impedir que os assentamentos fiquem na borda dos sítios científicos.
(Giovana Girardi,
Folha de S.Paulo, 26/07/2007)