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amazônia
2007-07-26
Se o projeto de desenvolvimento do Brasil não mudar, o país vai continuar apenas "exportando bananas" (leia-se soja, carne e álcool) e derrubando a floresta amazônica sem receber nada. Isso, segundo o parasitologista brasileiro Luiz Hildebrando da Silva.
Há dez anos, Silva, um dos maiores especialistas em malária do mundo, trocou Paris por Porto Velho (RO) onde continua a fazer pesquisa, aos 78 anos. Para ele, o processo de desenvolvimento amazônico atual, centrado em produtos não tecnológicos como a soja e a carne, está promovendo uma "bela distribuição de renda, mas na Europa, não no Brasil".

Em entrevista concedida à Folha em Belém, no Pará, no início do mês durante a 59ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o médico mostrou com clareza a correlação entre a alta incidência de malária no interior de Rondônia e o modelo de desenvolvimento escolhido para a região Norte.
Para ele, a bioprospecção (pesquisa de fármacos e outros produtos derivados de seres vivos) é um caminho de desenvolvimento mais seguro. A exportação de carne, por outro lado, está atrelada ao desmate.

"Em números de 2004, podemos dizer que o rebanho amazônico é da ordem de 25 milhões de cabeças -isso em uma área de 7,5 milhões de hectares de floresta já derrubada", calcula Silva. "Hoje, a estimativa é que a pecuária ocupe quase o dobro disso."

Segundo o pesquisador, a rentabilidade média da pecuária na região é de US$ 210 por hectare para o produtor, um valor "baixo". "O setor não cria emprego, não distribui renda."
Como a carne brasileira custa em média US$ 1.500 a tonelada para os europeus --e ainda é taxada em US$ 3.500 por tonelada pelos governos-- o raciocínio de Silva atinge um ponto culminante.

"Essa mais-valia [lucro retido] é usada por governos europeus para ajudar os produtores de lá. Acabamos fazendo para eles uma espécie de justiça social", explica o pesquisador.
"No caso da soja, ocorre o mesmo. A produtividade é ainda mais baixa", afirma.
Para alterar essa situação, Silva defende que instituições como a SBPC procurem defender por um novo modelo, baseado no produto natural, que consiga ser comercializado junto com um valor agregado.

O exemplo, de acordo com o pesquisador, pode estar nas pesquisas feitas no Ipepatro (Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais), em Porto Velho, do qual ele próprio é um dos coordenadores.
"Em uma das pesquisas, por exemplo, conseguimos isolar uma substância vegetal que pode inativar o veneno da jararaca. Ela tem ainda ação que poderá ser eficaz contra a leishmaniose", diz o cientista.

Ele lembra que já existem substâncias usadas contra males cardíacos, extraídas de venenos de cobra, comercializadas a US$ 350 o miligrama. "Isso [a pesquisa] também foi feito na Amazônia", diz o cientista.

Para ele, a comparação entre os ganhos com os produtos naturais aliados a algum tipo de inovação tecnológica é muito superior à exportação de carne, soja e até do álcool.

Ciclos de malária
Apesar de não ligar diretamente uma coisa a outra, Silva gosta de lembrar como a malária, doença na qual é especialista, chegou na Amazônia. "Foi nos anos 1950 e 1960, quando o governo militar começou a abrir estradas e distribuir terras." O novo ciclo de obras na floresta, como a construção de grandes usinas, pode ter um efeito semelhante, diz.

Como proposta para mudar o curso dos amazônidas, o parasitologista tem uma tese já estruturada, que batizou de "elitismo democrático".
"As lideranças não devem ser impostas de forma arbitrária. Elas devem surgir de forma democrática, de um processo seletivo, da capacitação de cada cientista", diz. "Para isso, nós temos que mudar as maneiras de seleção. Temos que incorporar, inclusive, elementos de estrutura seletiva do exterior."

Para o cientista, como sem liderança não há trabalho, existe uma cultura equivocada hoje em voga no Brasil, que acaba tendo repercussão em vários níveis. "A tendência é considerar que todo mundo é igual. E que o resultado de um progresso na área do conhecimento se faz pela somatória dos conhecimentos individuais. Não é verdade. Existe sempre a necessidade de inovação, de vanguarda, de líderes", diz o cientista.
"O desenvolvimento autônomo da Amazônia virá com ciência e tecnologia especializada. Com valor agregado em todos os produtos naturais. Se não for feito isso vamos ficar apenas na exportação de banana."

(Eduardo Geraque, da Folha de S.Paulo, 25/07/2007)

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