A 1ª Conferência Internacional de Manejo Florestal Comunitário, realizada em Rio Branco, de 15 à 20 de julho, que reuniu cerca de 250 representantes de 41 países, foi considerada o evento mais importante já realizado em todo mundo, para discutir a utilização das florestas de modo sustentável.
O encontro, que foi idealizado pela Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO), serviu para discutir, entre outras coisas, as atividades de Manejo Florestal Comunitário que vêm dando certo em todo mundo, bem como as ações que precisam ser realizadas para incentivar e impulsionar o Manejo.
A abertura da Conferência contou com a participação do governador Binho Marques e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que, em seu discurso, lembrou antigas lutas para que eventos como uma conferência daquele porte pudesse fazer parte da agenda dos governos, e garantiu o seguimento do trabalho para ampliar as unidades de conservação no país.
"Conseguimos dobrar de cinco milhões de hectares para dez milhões de hectares as unidades de conservação e ficamos felizes de saber que 60% das florestas públicas estão nas mãos de comunitários", disse. Ela ainda anunciou a previsão de criação de mais trinta milhões de hectares de florestas públicas nos próximos dez anos.
Durante toda semana, os participantes puderam apresentar as experiências de Manejo Florestal Comunitário que vêm dando certo em suas comunidades, bem como alternativas para melhorar o setor.
O governador Binho Marques ressaltou a importância da conferência em todos os seus aspectos. As discussões, segundo ele, serão transformadas em experiências para as comunidades.
De acordo com a Secretaria de Florestas, o manejo comunitário já representa 16% da produção bruta industrial no Estado. Nas várias discussões sobre Manejo Florestal, os exemplos realizados no Estado do Acre, foram os que mais despertaram a curiosidade dos participantes.
No dia de campo, onde visitaram as fábricas de pisos e preservativos, além do Seringal Cachoeira, os participantes da Conferência ficaram encantados com os investimentos e o apoio do governo do Estado para as comunidades que trabalham com Manejo Florestal no Acre.
O diretor-executivo da Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO), Manoel Sobral, afirmou que o apoio dado pelo governo do Estado, às comunidades que trabalham com Manejo Florestal Comunitário no Acre, despertou o interesse dos representantes dos outros países que participaram do encontro.
Ele revelou que o Acre caminha no sentido contrário aos outros países, onde a burocracia e a falta de apoio dos governos, impede a realização de novas experiências de Manejo Florestal em comunidades.
"Aqui temos algo maravilhoso. O próprio governo do Estado, foi em busca de recursos para garantir as ações de Manejo Florestal. Isso é um marco importante, pois mostra que as comunidades têm apoio financeiro e técnico para garantir a realização de um bom trabalho. Essas experiências chamaram atenção, já que entre as dificuldades encontradas para a prática do Manejo, está a falta de apoio dos governos", comentou ele.
Um relatório divulgado durante a Conferência, revelou que os empreendimentos de Manejo são colocados em segundo plano no mercado florestal mundial, apesar da considerável receita.
Mesmo empregando mais de 110 milhões de pessoas no mundo inteiro, os empreendimentos florestais comunitários que exploram madeira de modo sustentável, bem como coletam bambu, palha, fibras, castanhas, resinas, ervas medicinais, mel, madeira para carvão e outros produtos naturais, não recebem apoio dos governos.
Manoel Sobral destacou a construção das fábricas de piso e preservativos, e o frigorífico de aves, como um dos passos mais importantes para a consolidação do Manejo Comunitário no Acre, já que esse é um grande incentivo para que as comunidades possam continuar trabalhando.
"Quando temos uma dedicação do governo em buscar recursos para construir fábricas que possam ajudar e muito as comunidades que trabalham com Manejo, podemos afirmar que tudo fica mais fácil, já que temos um modelo ideal de parceria entre o governo, a comunidade e a iniciativa privada. Isso garante o sucesso", frisou Sobral.
Guatemala apresenta modelo inovador de Manejo Florestal Comunitário
Os representantes da Guatemala, terceiro maior país da América Central, apresentaram, durante a Conferência um modelo de Manejo Florestal Comunitário, que vem dando certo e beneficiando milhares de famílias. Um dos pontos principais para o sucesso dos projetos é a parceria com o governo, principalmente na concessão de florestas.
Atualmente existem, aproximadamente, 15 concessões outorgadas para 13 comunidades e duas indústrias, com um total de 560 mil hectares de floresta sob manejo. Outro dado relevante é que a grande maioria das unidades de manejo está em processo ou já recebeu a certificação florestal.
Estimam-se benefícios para 1.300 famílias e cerca de 7 mil pessoas. Além disso, existe uma área com aproximadamente 23 mil hectares manejados por cooperativas, que envolvem oito comunidades e 432 famílias.
"Nosso povo trabalha com o Manejo há muitos anos. O sucesso de nossas ações, se deve justamente pela parceria com o governo e com as ONG's. Ainda temos muito que caminhar, mas certamente, já conseguimos garantir melhores condições de vida para muitas famílias de nosso país", comentou Victor Lopez, da Associação de Manejo Comunitário daquele país.
Na Reserva da Biosfera Maia, uma das maiores da América Central, o trabalho é apoiado pelo tripé Governo-organizações da sociedade civil-comunidade.
Na avaliação do secretário de Florestas, Carlos Ovídio, representa um divisor na política de manejo florestal em nível global. "Este evento será o marco regulatório do manejo no mundo", prevê o secretário.
O ministro do Meio Ambiente do Congo, Didace Pembe, propôs uma parceria ao Brasil para promoção comum de acordos de cooperação visando a reivindicação de pagamento pelos serviços ambientais oferecidos pelas suas florestas. Congo e Brasil somam a maior extensão de florestas tropicais do mundo e essas compensações devem ser efetuadas pelos países desenvolvidos.
Relatório final traz recomendações para governos e organizações
O último dia de encontro foi dedicado à elaboração de um relatório, com as conclusões e recomendações para as Comunidades, governos, ONG'S e para a Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO), idealizadora do encontro.
"Nós queremos que nossos governantes possam entender que o Manejo Florestal é uma alternativa viável e barata para preservarmos o meio ambiente. Mas não podemos realizar ações nesse sentido, se não tivermos apoio dos governos e da iniciativa privada, pois precisamos de mais apoio para alcançar nossos objetivos", comentou o representante internacional das comunidades, Alberto Chinchilla, da Costa Rica.
A representante da Comunidade São Salvador, de Mâncio Lima, Ivanilde Gomes, disse que entre outras coisas, é preciso que os projetos e o apoio dos governos saiam do papel. Para ela, a partir da Conferência é importante que todos possam unir forças para cobrar uma atitude mais concreta dos governantes.
"Temos muita coisa no papel. Mas na prática ainda falta muito para que possamos realizar um trabalho mais tranqüilo. Nós precisamos de apoio técnico, de ajuda para conseguir financiamento, de menos burocracia para conseguir a aprovação do projeto. Para quem está trabalhando com o Manejo Floresta, de nada adianta a elaboração de leis se não temos a concretização das mesmas", ressaltou ela.
Multiplicidade de experiências revela importância de serviços florestais
As múltiplas experiências de Manejo Comunitário apresentadas na primeira Conferência internacional do gênero colaboraram para esclarecer dúvidas sobre as políticas relacionadas ao mercado de produtos madeireiros e não madeireiros ao redor do mundo. "Não adianta a comunidade ser apenas provedora de matéria-prima. Tudo o que se refere ao trabalho na floresta é parte integrante do manejo florestal", diz Carlos Ovídio, secretário de Florestas do Acre.
O pensamento foi unânime entre os mais de 40 representantes de organizações comunitárias. Eles lembraram que o processo para se elevar o ganho com a florestal ao mesmo tempo em que se garante a sustentabilidade ambiental e econômica do negócio é gradual.
A Guatemala, por exemplo, trabalha sob "experiências milenares", segundo Victor Lopez, da Associação de Manejo Comunitário daquele país. Na Reserva da Biosfera Maia, uma das maiores da América Central, o trabalho é apoiado pelo tripé Governo-organizações da sociedade civil-comunidade. No Acre, o processo envolve um quarto elemento: a iniciativa privada. É o que ocorre no Frigorífico de Aves, na Usina de Castanha de Xapuri, na Fábrica de Pisos e na Indústria de Preservativos, todos empreendimentos administrados por uma PPPC (Parceria Público-Privada-Comunitária).
De acordo com a ITTO, o mercado mundial de madeira e outros produtos florestais produzidos por comunidades tradicionais em países tropicais, movimenta cerca US$ 150 bilhões por ano. Apesar disso, o setor ainda sofre com a burocracia excessiva e a falta de apoio governamental.
Para reduzir os problemas, as organizações brasileiras reunidas no Acre pedem a criação de linhas de crédito específicas para o manejo comunitário, regulamentação fundiária e investimentos em infra-estrutura para beneficiamento e escoamento dos produtos florestais.
As recomendações feitas pelas comunidades são:
* Trabalhar em conjunto para garantir que o acesso legal à terra e aos recursos naturais esteja garantido em leis e Constituições dos países;
* Exigir dos governos linhas de financiamento exclusivas para os comunitários;
* Adotar ações de combate à pobreza, justiça social e políticas de inclusão;
* Suspensão imediata das altas taxas cobradas pelos governos em relação às empresas florestais comunitárias;
* Buscar ajuda econômica e administrativa para chegar aos mercados consumidores com produtos
sustentáveis;
* Criação pela ITTO de fundos específicos para financiar as organizações comunitárias e as atividades de preservação e manejo das florestas tropicais.
Participantes visitam fábrica de preservativos e Seringal Cachoeira
Divididos em grupos, os participantes da Conferência visitaram as fábricas de piso e preservativos, onde conheceram os investimentos feitos pelos governos estadual e federal, para apoiar as ações de Manejo Florestal desenvolvidas pelas comunidades da região, entre Xapuri, Assis Brasil, Epitaciolândia e Brasiléia.
Uma das experiências que mais chamou atenção dos participantes foi o projeto realizado no Seringal Cachoeira, onde cerca de 84 famílias, sobrevivem a partir de ações de Manejo Florestal, explorando uma área de 24 mil hectares, com uma renda anual de R$ 6 mil.
No seringal, eles puderam conhecer as ações de Manejo de madeira e de plantas, que desde 1990, vêm sendo desenvolvidas pela comunidade local. O presidente da Associação de Moradores e Produtores do Cachoeira, Nilson Mendes, fez questão de apresentar para os visitantes, como as famílias estão trabalhando com a natureza, sem prejuízos para o meio ambiente.
"Estamos aproveitando esse momento para mostrar que é possível utilizar as riquezas da natureza, sem trazer prejuízos ao meio ambiente. Temos uma linda experiência, onde desde nossas crianças até os mais antigos, cuidam e preservam nossas plantas e árvores. Sabemos da importância que essa mata tem para nós, por isso, temos orgulho de preservar essa área", comentou Nilson Mendes.
A pesquisadora, Carina Brack, dos Estados Unidos, disse que há muito tempo vem trabalhando com Organizações e Fundações, que atuam na preservação da natureza. Para ela, uma experiência como a que vem sendo realizada no Seringal Cachoeira é de fundamental importância para garantir a conservação do meio ambiente.
Ela lembrou que, enquanto em todo mundo, vários pesquisadores buscam alternativas para explorar a natureza de forma sustentável, no Acre, as famílias se unem, e juntas iniciam um trabalho de Manejo Florestal Comunitário, que tem trazido grandes resultados.
"Já conheci várias experiências aqui no Brasil. A do Acre é muito especial, porque tem o envolvimento da comunidade, dos governos e da iniciativa privada. Essa união de forças, certamente garante o sucesso dos projetos. Percebo no olhar dos meus colegas que eles estão impressionados com esse trabalho que é realizado com tanto amor pela população acreana", frisou.
O que eles disseram
"Essa Conferência foi muito importante, principalmente porque conhecemos novas experiên-cias. Estamos felizes e confiantes que, após esse encontro, teremos novas oportunidades". Francisco Soares, comunidade do Antimary.
"Temos uma pequena experiência de Manejo, mas ainda temos muito que caminhar. O exemplo do Acre e de outros países têm sido muito importante para que possamos voltar para nossa comunidade mais animados". Anísio da Silva, Pernambuco.
"Nosso trabalho consiste em organizar as comunidades para que possamos explorar a floresta de modo que não tenhamos prejuízos para a natureza. Essa troca de experiências têm sido de fundamental importância para nossa comunidade". Celestin Nagahuedi, Congo.
"O que conseguimos aprender aqui sobre as experiências realizadas nos outros países vai nos ajudar para que, no futuro, possamos continuar trabalhando em comunidades organizadas para garantir uma vida melhor para nossas famílias". Francisco Moreira, Amazonas.
(Por Rutemberg Crispim,
A Gazeta, 23/07/2007)