Manuseio de areias monazíticas traz efeitos nocivos aos trabalhadores
2007-07-23
A ação movida pela Associação das Vítimas do Nuclear contra a INB descreve em detalhes os tipos de matérias-primas e seus manuseios. Segundo a peça judicial, em diversas seções do processo produtivo, as condições de trabalho eram muito agressivas. “Na seção de TFM - Tratamento Físico da Monazita, havia fornos de alta temperatura, destinados à secagem da areia (monazita, zirconita, rutilo, ilmenita, entre outras), nos quais trabalhavam pessoas que não recebiam qualquer informação ou conscientização acerca da natureza das areias com que trabalhavam (radioativas). Uma vez secas, as areias eram separadas em máquinas próprias, para posterior encaminhamento específico”.
Areias
O documento descreve os tipos de minérios manuseados pelos trabalhadores: “A ilmenita ou titanato de ferro tem aspecto de grânulos azuis e pretos e é matéria-prima para obtenção de dióxido de titânio (pigmento branco); ligas de ferro, titânio, agente aditivo em composição de abrasivos; fabricação de esmaltes matizados; cargas de altos fornos, para melhorar o fluxo metálico e proteger o revestimento refratário e revestimento de eletrodos de solda elétrica.
O rutilo, que é dióxido de titânio, apresenta-se em grânulos pretos e avermelhados. É matéria prima para fabricação de revestimento de eletrodos, utilizados em soldas elétricas, ligas de ferro titânio e como aditivo para colorir e matizar materiais cerâmicos, vidros ladrilhos e louças.
A zirconita, silicato de zircônio, é matéria priva para tintas e vernizes, cerâmica industrial e louças, pigmentos para esmalte de porcelana, isoladores térmicos e elétricos, cimento refratário. Apresenta-se sob a forma de grânulos de cor bege. Tais areias advinham de separação e, como têm significativo valor econômico, eram embaladas e vendidas ao mercado.
A monazita é a principal fonte de terras-raras no Brasil e tem o maior valor comercial entre as demais. Separada individualmente sob a forma de óxidos com elevados e distintos graus de pureza, esses extratos são imprescindíveis para aplicações em tecnologia de ponta como ímãs permanentes, destinados a motores miniaturizados, sensores, aparelhos de ressonância magnética nuclear, levitação magnética (tecnologia do trem-bala), catalisadores para indústria automotiva, dentre outras aplicações.
As areias monazíticas são conhecidas como ‘Materiais da Terceira Onda’. Reúnem em sua composição 15 (quinze) metais conhecidos como lantanídeos, mais o ítrio, elemento de número atômico 39, metálico, branco-acinzentado. São altamente radiativas. Separadas as areias anteriores, a monazita seguia o curso industrial para beneficiamento. Ia agora ser moída até ser transformada em pó.”
Processos perigosos
De acordo com a ação judicial, quando havia necessidade da troca das areias no maquinário, as máquinas eram submetidas a limpeza por injeção de ar comprimido, o que levantava e aspergia poeira e areias e tornava o ambiente altamente insalubre. Além disto, havia uma grande dose de ruído no ambiente, descrita como “ensurdecedora”, a ponto de ter deixado vários trabalhadores sem audição. E operadores que passaram por tal seção “padecem ou já faleceram vítimas de silicose”, atesta o documento.
No relato dos empregados, descrito na peça judicial, a monazita era transformada em “farinha de trigo”, assim descrita por tornar-se em um pó fino e branco. Depois, era beneficiada no setor TQM, ou seja, de Tratamento Químico da Monazita. Desta forma, “o pó monazítico resultante da seção anterior passava por uma autoclave, misturado com soda cáustica à proporção de 1.200 (mil e duzentos) quilos de pó para 1.500 (mil e quinhentos) litros de soda cáustica, além de quatro quilos de glicose de milho”. De acordo com a ação judicial, era como uma maiúscula panela de pressão cozendo a mistura por cinco horas. “O resultado dessa cocção era descarregado em uma tina de ferro, onde era filtrado e prensado, para retirada do líquido resultante, denominado ‘fosfato de sódio’. O resíduo desse processo era o produto de alto valor, uma massa sólida, como se fosse argila, conhecida como ‘torta-um’”, aponta o documento. Essa ‘torta-um’, prossegue, “é o insumo básico da ‘torta-dois’, extrato altamente radioativo de cloreto de terras raras, rico em urânio, elemento de número atômico 92, metálico, branco, denso, radioativo, fissionável, usado na produção de energia nuclear”.
Para se chegar ao extrato da torta dois, “havia um processo de catorze horas de trabalho em seis tinas que funcionavam concomitantes, com um novo filtro-prensa. Mais uma vez, os líquidos resultantes do processo eram separados e restava uma nova massa, ainda mais enriquecida, denominada ‘torta-dois’”, detalha a peça jurídica.
Resíduos
A pasta resultante do processo, conforme os advogados descrevem na ação, “era embalada em tambores de latão e bombonas plásticas azuis e enviadas a um terreno na Avenida Nações Unidas, em Interlagos, até a alteração para outros sítios. O líquido resultante era chamado ‘cloreto de terras raras’ e era encaminhado à ‘Tina I’ (tina de letra ‘i’) onde recebia novo tratamento. Resultavam dessa operação um líquido e um sólido”. Assim, “o líquido era o ‘cloreto de terras raras’ que era destinado às ‘cápsulas’, as quais os trabalhadores chamavam ‘panelas’, onde havia o cozimento do líquido, a uma temperatura superior a 120ºC (cento e vinte graus centígrados), após o que se convertiam em material sólido e eram acondicionados em tambores de duzentos e quarenta quilos, conduzidos e descarregados “no braço” pelos trabalhadores”. Já o material sólido “era o mesotório (...), um rejeito do processo de industrialização da monazita, rico em rádio, elemento químico de número atômico 88, radioativo, metálico, branco-prateado, quimicamente aparentado aos alcalinos-terrosos. Em suma: lixo atômico, ou, no linguajar técnico, rejeito industrial radiativo”, afirma o documento.
Lítio
A ação judicial também descreve em detalhes o processo de obtenção de lítio, na chamada seção TQA – Tratamento Químico da Ambligonita. Ali “sofria-se igualmente”, aponta o documento, informando que “a ambligonita é um mineral triclínico, composto de fluorfosfato de alumínio e lítio”. Para se obter lítio a partir das pedras de ambligonita, mineral existente no Brasil, “havia a mistura de ácido sulfúrico com o pó de pedra de ambligonita, de onde se obtinha fosfato de lítio, bicarbonato de lítio, aluminato de lítio, cloreto de lítio, sulfato de lítio e hidróxido de lítio - elemento de número atômico 3, metálico, alcalino, branco prateado, muito leve, muito reativo”. Nessa seção, conforme a peça jurídica, “os trabalhadores passavam correndo pelo ambiente, pleno de ‘fumaça’ resultante da reação química, que liberava gases altamente tóxicos e produzia um ar irrespirável. Desse sistema primitivo de trabalho sucederam diversas enfermidades profissionais aos empregados. São elas: silicose, enfermidades do aparelho respiratório, asbestose, reumatismo, problemas ortopédicos e de coluna, lesões da visão e da audição”.
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 23/07/2007)