A visão de que o extrativismo pode ser uma das soluções para o desenvolvimento da Amazônia, segundo alguns especialistas, é "romântica" e precisa ser abandonada. É uma opinião desagradável, num momento em que o governo federal pretende implementar várias reservas extrativistas na região.
"Após o assassinato do seringueiro Chico Mendes, em 22 de dezembro de 1988, criou-se aqui na Amazônia uma falsa expectativa de que o extrativismo vegetal seria a grande solução", explica Alfredo Homma, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. Antes praticamente isolada, a voz do experiente cientista começa a ecoar.
"Temos que ter isso bem claro: o extrativismo sozinho não vai resolver o desenvolvimento do povo da Amazônia", disse à Folha Manoel Sobral Filho, diretor executivo da ONG ITTO (Organização Internacional de Madeira Tropical, em inglês).
Apesar de concordarem com a insustentabilidade do extrativismo vegetal, Homma e Sobral apresentam soluções diferentes para o problema.
"Adão e Eva provaram a primeira maça extrativa do paraíso. Hoje, ninguém mais está comprando banana ou laranja extrativa. Nem fazendo caça de galinha ou de boi", lembra Homma, da Embrapa.
Segundo o pesquisador, o homem conseguiu domesticar mais de 3.000 plantas nos últimos 10 mil anos e tudo indica que esse é um processo que não deverá mudar no futuro.
"Os países desenvolvidos estão apostando no reflorestamento. Japão, França e outros países estão nesse caminho. Em 2006, 77% da madeira veio de florestas naturais. Em 2050, a taxa será de apenas 25%."
Para Homma, em vez de fazer concessões de florestas naturais, por exemplo, o governo deveria investir em reflorestamento, como os países ricos.
Mesmo no caso do açaí -produto que, como o guaraná, vem ganhando cada vez mais espaço tanto dentro quanto fora do Brasil- o pesquisador da Embrapa vê problemas.
"O açaí esconde uma série de riscos ecológicos na sua expansão. O pessoal pega uma floresta heterogênea, mas ela fica homogênea, oligárquica".
Uma das preocupações de Homma é com a reposição dos açaizeiros em duas ou três décadas. "Quando se tira o fruto, o caroço vai junto. Será que haverá reposição nessa população?" Para o pesquisador, o mais fácil seria plantar açaí em terras firmes, onde a floresta não está mais de pé.
"Existe uma grande distância até o pote de ouro no final do arco-íris. Enquanto a madeira responde por 11% das exportações da Amazônia, os produtos da biodiversidade tem uma importância bem menor que 1%".
Segundo Homma, como o processo extrativista segue um ciclo, não se pode achar que ele sempre será sustentável. Por isso, além do reflorestamento, o pesquisador defende ainda que a agricultura seja implantada de forma vigorosa na região.
"Hoje nós temos 71 milhões de hectares de áreas desmatadas na Amazônia. Isso equivale a um território superior aos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná."
A grande questão, explica o pesquisador, é como transformar essa segunda natureza [áreas desmatadas] em uma terceira natureza, bem mais sustentável que a anterior.
A lista de produtos que poderiam ser plantados no Norte do Brasil, segundo Homma, é enorme. Ela passa pela castanha, por exemplo, e chega até ao fruto do bacuri. "A saída é investir em tecnologia para que os pequenos produtores possam entrar no processo."
Extratos agregadosCom base em um estudo publicado nesta semana em um congresso em Rio Branco, no Acre, o representante da ITTO defende uma crença cautelosa no potencial do extrativismo. Para Sobral, é necessário agregar valor ao produto da floresta para que o setor possa continuar almejando bom futuro.
O relatório, que tem 20 estudos de caso em vários países do mundo, aborda dois exemplos de sucesso -pelo menos por enquanto, de acordo com a ITTO- em terras brasileiras.
Um deles é em Manicoré, e outro na Reserva de Mamirauá, ambos no Estado do Amazonas. No primeiro a comunidade se organizou para extrair e vender castanhas. No segundo, o que existe é um extração de madeira sustentável.
"Todos os casos foram escolhidos por causa das estatísticas confiáveis que eles têm" disse à Folha um dos autores do estudo, Andy White.
Mas no caso das castanhas, único caso em que aparece uma medição real de ganho das famílias do projeto, é fácil perceber o problema. Cada núcleo ganhou, em 2005, apenas cerca de R$ 80 por mês.
"Não tem jeito. Se não houver um aumento de recursos para os pequenos produtores, as pessoas vão criar gado ou plantar alguma coisa", afirma Sobral. Para ele, no caso do Brasil, a burocracia também é um problema sério.
(Por Eduardo Geraque, da
Folha de São Paulo, 22/07/2007)