Foi no início da década de 1990 que o engenheiro florestal Miguel Milano convenceu o dono da empresa de cosméticos O Boticário, Miguel Krigsner, a desistir da idéia de plantar uma árvore para cada produto vendido em suas lojas. Na época, a idéia de Krigsner era, junto com uma estratégia de marketing, fazer algum bem à natureza. Venceu o bom senso: era impossível plantar a quantidade de árvores proposta, que poderia chegar a 600 mil por mês. A idéia das empresas plantarem árvores para “fazerem a sua parte” em relação ao meio ambiente, no entanto, ganhou força com o aquecimento global. Tudo quanto é companhia quer “neutralizar” emissões de carbono. Pode ser de um evento, um show, um CD, uma passagem aérea. E a principal maneira encontrada é investindo em projetos de reflorestamento, que, além de nem sempre contribuem com a manutenção da biodiversidade, podem ter eficácia para lá de duvidosa.
Em substituição à idéia inicial de Krigsner, Milano sugeriu a criação de uma fundação. Ela viria a se chamar Fundação O Boticário de Proteção da Natureza, hoje uma das instituições mais importantes do país a investir em projetos de conservação. “Plantar árvores é uma visão limitada”, diz Milano, para quem, em compensação, proteger áreas remanescentes de floresta tem dupla validade: evitar emissões (a partir do momento em que as áreas ameaçadas deixarão de ser destruídas, liberando gases estufa para a atmosfera) e conservar a biodiversidade. “Uma floresta plantada, depois de 50 ou 60 anos, não tem nem metade da biodiversidade de uma floresta primária”, diz Milano.
Isso, se elas chegarem a ficar tanto tempo de pé. Boa parte dos projetos que funcionam hoje garantem apenas alguns anos de monitoramento após o plantio. Segundo Marcelo Teoto Rocha, pesquisador da Universidade de São Paulo, o monitoramento do carbono estocado deveria ser feito, no mínimo, por décadas. Só quando a árvore chega a sua maturidade é que ela vai de fato absorver a quantidade de carbono esperada. “A maioria das empresas querem contas rápidas, que vão lhes dar um número x de árvores para botar nos jornais”, diz ele.
Rocha explica que uma neutralização bem feita começa por um inventário de emissões completo das atividades de determinada empresa ou evento. A partir desse inventário vê-se oportunidade de cortes de emissões, investindo em eficiência energética, por exemplo. Como reduzir a zero é praticamente impossível, é preciso decidir que tipo de projeto realizar para compensar o que sobra. “O ideal é investir em vários projetos: pode ser de energias renováveis, eficiência energética e, inclusive, atividades florestais”, diz ele. “Assim, um projeto compensa o outro e há maior garantia de que trarão resultado”. Rocha explica que esse tipo de iniciativa é voluntária, ao contrário de cortes obrigatórios a serem feitos pelos países desenvolvidos que assinaram o Protocolo de Quioto. Com isso, cada um pode fazer o que quiser. E o processo muitas vezes acaba conduzido com um olho maior na propaganda que sairá no dia seguinte do que nas ações de mitigação em si.
José Guilherme Azevedo, gerente comercial da Max Ambiental, empresa que dá certificações de neutralização de emissões, confirma que a grande maioria dos clientes que o procuram atrás de mitigação de carbono opta pela plantação de árvores. “É o que dá mais visibilidade para a instituição, que tem maior impacto no mercado”, diz ele. Azevedo garante que as plantações de árvores são conferidas por auditorias externas e que a intenção é que elas sejam perenes. Diz que só trabalha com espécies nativas, plantadas por organizações não-governamentais sérias, que têm bons projetos de reflorestamento. O mercado, diz ele, é crescente: a Max Ambiental tem sido procurada por empresas de todos os tamanhos e gostos. “Até indivíduos já nos procuraram para neutralizar emissões”, conta.
Desmatamento evitado Para Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), quando se pensa ações em campo para combater as mudanças climáticas do ponto de vista da biodiversidade, é tudo uma questão de se ter os parâmetros técnicos adequados, além de algo que não tem sido muito levado em conta hoje em dia: noção de prioridades.
“Quando se pensa em fazer esse tipo de investimento, existem duas possibilidades: conservação de remanescentes e restauração de áreas degradadas”, diz. Segundo Borges, há 3% de floresta primária sobrando em todo território brasileiro ao Sul da Amazônia. Tudo altamente ameaçado, e se poderia investir sem custos excessivos na consolidação de sua proteção. A restauração, por outro lado, custa mais caro e é bem mais demorada: uma terra próxima a áreas naturais conservadas pode demorar até 150 anos para ser totalmente restaurada em sua biodiversidade. Se não houver essas áreas, no entanto, é provável que isso nunca aconteça. As árvores estarão lá, mas a floresta não será de forma alguma a mesma que havia ali no passado. “Se não há dinheiro para fazer as duas coisas, nem o suficiente para uma delas, o que você faz primeiro?”, pergunta ele.
A resposta parece óbvia, mas ainda assim não rege os esforços de boa parte dos projetos que trabalham com meio ambiente. Para Borges, é preciso, antes de qualquer coisa, se certificar de que os 3% em questão estão fora de risco. Depois, as ações devem se concentrar sobre as áreas de matas remanescentes secundárias, que cobrem cerca de 5% do território nacional (também abaixo da Amazônia). Só então é que se deve começar o replantio em áreas totalmente degradadas, primeiramente reconectando as áreas remanescentes. “Com tanto plantio de árvores, parece que estamos na fase quatro ou cinco do processo, sem ter passado pelas fases anteriores”, diz.
Rocha pontua que para se investir em desmatamento evitado deve-se levar em conta o grau de ameaça do local a ser protegido. “Não adianta nada adotar uma floresta no meio do Acre, longe de qualquer estrada”, diz ele. “Provavelmente essa floresta continuará lá de qualquer forma”. Já fazer uma Reserva Natural do Patrimônio Natural (RPPN) na beira de uma rodovia, numa área impactada pela presença humana, é uma ação que claramente evita emissões para a atmosfera, pois aquela mata provavelmente está fadada a sumir. O protocolo de Quioto não aceita o desmatamento evitado como forma de se gerar créditos de carbono, mas, como no Brasil o que vigora é o mercado voluntário, é absolutamente viável fazer investimentos do tipo. “É possível calcular o estoque de carbono de uma floresta e saber o quanto vale mantê-la”, diz Rocha.
Haja árvores A discussão não é exclusiva do contexto brasileiro. Esta semana o México anunciou um plano para plantar 250 milhões de árvores no país, como o carro-chefe das ações de meio ambiente do governo. E, segundo o diário local La Jornada, foi duramente criticado por diversas organizações não-governamentais, inclusive o Greenpeace. É que a campanha reflorestará 285 mil hectares, sendo 100 mil deles plantações comerciais (destinadas à produção de madeira) Enquanto isso, o país desmata por ano 600 mil hectares de floresta nativa.
Para o biólogo Fernando Fernandez, o dinheiro gasto nesse tipo de ação poderia ser mais bem empregado na proteção efetiva de florestas tropicais ameaçadas. Além do quê, se quisermos ter um futuro sustentável, diz o professor da UFRJ, não bastará nem manter as nossas florestas bem conservadas. Será preciso diminuir a nossa produção, tendo menos consumo de carne e veículos particulares, por exemplo. “Foi anunciado há pouco tempo que a China tem 13 milhões de carros particulares circulando. Imagina? Tem que plantar muita árvore para compensar isso”, diz ele.
(Por Eric Macedo,
O Eco, 19/07/2007)