SÃO PAULO – “Quem quiser falar comigo agora, fale o que quiser, mas vai ouvir sobre os biocombustíveis”. A frase sintetiza bem o espírito da primeira metade do discurso do presidente Lula na 22ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, ocorrida na terça (17/07), em Brasília.
Falando de improviso, Lula aproveitou o espaço do Conselhão, que reúne representantes de boa parte dos interesses governamentais, sociais e privados do país, para dar alguns recados sobre o tema coqueluche do momento. O primeiro deles é: quanto aos agrocombustíveis, eles vieram para ficar; e sem endereço certo, o presidente disparou: “podem chorar, podem brigar, podem contestar, podem contar mentiras contra o Brasil, podem inventar o que quiserem, será inexorável”.
Com isso, Lula descartou os argumentos que colocam em dúvida o acerto da aposta na utilização de solo agriculturável para cultivo de energia, questionada duramente por movimentos camponeses e especialistas em segurança alimentar. O presidente também contestou as teses que apontam para a possibilidade de concorrência entre agrocombustíveis e alimentos, afirmando que “esses 850 milhões de seres humanos que passam fome hoje, não é pela inexistência de alimentos, é pela inexistência de renda para comprar os alimentos”.
Quanto ao aspecto social, Lula insinuou que as demandas teriam que ser apresentadas ao empresariado em tom moderado, uma vez que suas cartas seriam mais altas dos que as dos trabalhadores. Ou seja, se a pressão for demais, “(...) para os empresários fica mais fácil mandar os trabalhadores embora e comprar máquinas. E cada uma dessas máquinas vai dispensar 90 trabalhadores. E eles estarão atendendo a um apelo daqueles que são contra o trabalho não-humanizado, e estão deixando os trabalhadores na rua da amargura” colocou o presidente.
Dessa forma, de acordo com o discurso do presidente, parece que parte da agenda conceitual dos movimentos sociais não terá mesmo a ressonância demandada, apesar de, ao concluir o assunto, Lula ter proposto “um debate sereno” que não despreze “os que são contra”. “Não, vamos conversar, porque tem coisas a serem acertadas na questão ambiental, na questão de alimentos mesmo”, contemporizou.
Por outro lado, aspectos relacionados à soberania do país sobre seus recursos – e, a reboque, o protagonismo do Brasil no mercado mundial de agroenergia – sensibilizam o presidente.
Acerca da investida do capital internacional sobre terras e usinas brasileiras, Lula reafirmou a necessidade de discutir “a questão da propriedade no Brasil, se as pessoas vão poder comprar as nossas terras ou se essas terras vão ter que ficar nas mãos de brasileiros”. E emendou: “é preciso ter uma estratégia para que a gente se consolide não apenas pelo status de termos sido pioneiros. (...) Esse debate sobre biocombustíveis é uma coisa extremamente séria, e eu estou pensando até em torná-la ainda mais séria, para que a gente possa dar o status de soberania nacional à questão do biocombustível”.
Grupo de TrabalhoO discurso de Lula no Conselhão foi um pequeno preâmbulo dos debates que devem ocorrer no recém constituído Grupo de Trabalho sobre bioenergia, proposto pelo presidente da CUT, Artur Henrique, e que pretende elaborar propostas de normatização da cadeia produtiva e de regulação governamental do setor.
Segundo a minuta de criação do GT, seu objetivo será analisar e propor recomendações para viabilização dos investimentos públicos e privados na cadeia de produção dos biocombustíveis, levantar e analisar problemas e distorções em todas as etapas da produção, avaliar os impactos no meio ambiente e nas relações de trabalho, avaliar a necessidade de regulação governamental do setor, e analisar e propor medidas para o fortalecimento do cooperativismo e da agricultura familiar na produção de bioenergia.
Segundo Artur Henrique, que coordenará o GT, a preocupação maior da CUT são os impactos sociais e ambientais da expansão dos agrocombustíveis, e principalmente as condições precárias de trabalho na cultura canavieira. A questão, aliás, contrapôs o presidente da CUT ao da FIESP, Paulo Skaff, que negou as denúncias e a existência de trabalho escravo na atividade sucro-alcooleira, segundo ele uma acusação injustificada que estaria prejudicando os usineiros no exterior. Não só existe escravidão no setor, retrucou Artur, como também superexploração que leva à morte por exaustão de trabalhadores em um centro de excelência como São Paulo.
O presidente da CUT também considerou inócua a sugestão de moderação na negociação com os setores empresariais, mesmo porque se fosse possível fazer a mecanização total da atividade em substituição da força de trabalho braçal, como propôs o presidente Lula, já teria acontecido. “Não podemos admitir concessões [nos direitos trabalhistas] em nome de uma ameaça de mecanização. Evidentemente queremos que as inovações tecnológicas sejam discutidas com os sindicatos, e que haja uma requalificação e recolocação dos trabalhadores. Mas não existe tolerância”, afirmou.
Sobre os resultados concretos dos trabalhos do GT, segundo Artur não está definido se será proposto um marco regulatório, um projeto de lei, uma nova agência ou até uma nova estatal para regular os agrocombustíveis. “Queremos realizar um grande seminário que traga outros movimentos e setores da sociedade para fazer o diagnóstico da questão. A partir daí construiremos propostas que serão encaminhadas à Presidência”, explica o presidente da CUT.
Controle estatalSem representantes no Conselhão, as organizações de agricultores que compõe a Via Campesina (MST, Pequenos Agricultores, Atingidos por Barragens, etc) tem feito um debate interno sobre os agrocombustíveis no sentido de avaliar riscos e oportunidades.
De acordo com a direção nacional do MST, a principal crítica à atual configuração da cadeia produtiva do etanol é a falta de regulação e controle estatal do setor, o que permite às usinas praticar suas próprias políticas de preço e mercado. Da forma como se estrutura a produção do agrocombustível, o país ficará refém do setor agroexportador e permitirá que a agricultura brasileira seja subjugada aos interesses internacionais.
Defendendo uma regulação clara e o controle estatal da cadeia produtiva da agroenergia, a Via Campesina tem se mostrado inclinada a adotar a idéia da constituição de uma nova estatal responsável especificamente pelo setor, apresentada pelo físico Bautista Vidal, um dos articuladores do programa Pró-álcool. Segundo Vidal, a criação de uma nova estatal e a retirada da agroenergia da esfera de atuação da Petrobrás se justifica pela falta de experiência desta no setor.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 19/07/2007)