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2007-07-20
A reciclagem é vista hoje como forma de preservação dos recursos naturais e do meio ambiente, evitando o acúmulo de materiais não-biodegradáveis e nocivos em áreas impróprias. Ademais, contribui para a geração de renda e para o prolongamento da vida útil dos aterros sanitários. Poucos sabem, entretanto, que na reciclagem sobram ainda resíduos prejudiciais que, se não tratados apropriadamente, chegam ao meio ambiente por meio de efluentes, assim denominados os esgotos industriais resultantes desses processos.

Por isso, esses efluentes precisam ser devidamente tratados para que, quando lançados nos coletores públicos ou nos corpos de água, estejam de acordo com as normas estabelecidas. Mas isto raramente ocorre. No caso de reciclagem de plásticos, o problema é agravado pela escassez de literatura sobre métodos e processos mais adequados para o tratamento dos efluentes que possam vir em auxílio das empresas e até servir de orientação para os órgãos fiscalizadores.

Brasil é o 3º maior reciclador do mundo

Esta constatação levou Josânia Abreu Gondim a desenvolver projeto de pesquisa em gerenciamento, tratamento e aproveitamento de águas e resíduos, na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, sob orientação do professor Denis Miguel Roston. O trabalho deu origem à dissertação de mestrado sobre tratamento de efluentes de indústria de reciclagem mecânica de plásticos, utilizando processo anaeróbico e leitos cultivados.

Josânia entende que o trabalho se justifica pela escassez de pesquisas referentes à caracterização do afluente gerado na lavagem de plásticos, empregada no processo de reciclagem mecânica, e também, pela carência de informações e conhecimentos de seus sistemas de tratamento, disposição dos resíduos gerados e recirculação do efluente tratado, de forma a permitir o seu reaproveitamento no processo.

A pesquisadora ressalta que, embora seja crescente no mundo a utilização de embalagens plásticas – o Brasil ocupa o oitavo lugar na sua produção –, os plásticos constituem os resíduos sólidos urbanos menos reciclados no mundo. O Brasil já é o terceiro maior reciclador mundial, com o aproveitamento de 16,5%, principalmente no Sudeste, Sul e Nordeste. O trabalho desenvolvido pela pesquisadora, em escala real, foi realizado em indústria de reciclagem localizada na cidade de Sumaré, na região de Campinas. Ela entende que os resultados alcançados, por serem pioneiros, precisam chegar às indústrias para que possam ser implementados por empresas do ramo, que são cerca de 800 no país.

Em uma das páginas da tese de Josânia, se lê: “A vida que a gente quer depende do que a gente faz”. A citação traduz muito o percurso da autora: bióloga, com especialização em microbiologia, ex-funcionária de empresas de produtos naturais, a pesquisadora atuou em ONGs. Estas vivências a levaram à pós-graduação, por meio de projeto sobre o tratamento de efluentes apresentado a professores da Feagri e a uma empresa de reciclagem mecânica de plásticos com a qual já tinha contato, o que lhe possibilitou um trabalho em escala real.

Depois de quatro anos de pesquisas, dois deles com bolsa da Capes, e cerca de R$ 32 mil reais investidos pela empresa na remodelação e ampliação do seu sistema de tratamento de efluentes, os resultados mostraram-se altamente compensadores. Josânia ressalta que “o sistema de tratamento tem que ser eficiente, apresentar reduzido custo de implantação e operação, deve apresentar fácil operacionalidade e coadunar-se com a realidade da empresa”.

Em 30 dos 31 parâmetros analisados, a melhora dos índices de poluentes variou de 47% (nitrato) a 100% (sólidos sedimentados). A pesquisa ainda disponibiliza às empresas do ramo o conhecimento das metodologias, aplicáveis às suas realidades, e abre caminho para o desenvolvimento de novos estudos acadêmicos.

O estudo constata ainda que a melhora nos índices variam de 47% (a menor delas), a mais de 90%, variação atingida em cerca de metade dos parâmetros observados. O pH foi o único parâmetro que atendeu parcialmente à legislação, por razões plenamente explicadas pela autora, mas facilmente corrigível. Embora a indústria já fizesse tratamento do efluente, as análises preliminares mostraram resultados completamente fora das exigências legais. Ao final do processo, o efluente encontrava-se em condições de descarte tanto na rede pública coletora de esgotos como nos corpos d’água.

Embora demande futuros estudos, o lodo resultante parece adequado ao uso como fertilizante, pois apresenta índices baixos de metais pesados, possui altas quantidades de nitrogênio e fósforo e é rico em material orgânico. Ela destaca ainda que o trabalho mostrou possibilidade de recirculação da água empregada na lavagem dos plásticos, o que levaria a uma significativa economia de custos e preservação das fontes naturais.

Josânia considera que o sistema foi apropriado à realidade da empresa, já que mostrou ganhos sociais, ambientais e econômicos, além de possibilitar o aproveitamento de resíduos plásticos presentes no efluente e a recirculação do componente tratado. “Houve também redução de impactos ambientais e do custo do transporte dos resíduos sólidos para aterro, além de condições higiênico-sanitárias e operacionais mais apropriadas, entre outros”.

O processo – A indústria objeto de estudo reciclava três tipos de plásticos: o polipropileno (PP), utilizado na confecção de autopeças (tanques de combustíveis, pára-choques), bombonas, tampas de embalagens, por ser mais firme; propileno de baixa densidade (PEBD), flexível, usado na confecção de saquinhos, embalagens de produtos de limpeza e de alimentos, óleos e frascos para xampu; e propileno de alta densidade (PEAD), de flexibilidade intermediária aos anteriores, utilizado na confecção de baldes, galões e brinquedos. Estes são também, segundo Josânia, os três tipos de plásticos mais reciclados mecanicamente nas empresas do ramo no Brasil.

No processo de reciclagem, observa a pesquisadora, os plásticos inicialmente passam por uma triagem manual, para a separação dos três tipos. Separados, são então submetidos à lavagem na temperatura ambiente, sem a utilização de detergentes. A pesquisadora não encontrou referências na literatura de efluente “mais sujo”.

Na etapa seguinte são submetidos a uma centrífuga para eliminação do excesso de água e posterior secagem em temperatura ambiente. Posteriormente, são aglutinados para a fusão e adição, se for o caso, de pigmento que lhe confere cor. A massa fundida é então forçada a passar por orifícios de forma a se obterem filamentos, à semelhança do macarrão: é a chamada extrusão. Os filamentos são transformados em granulados, utilizados na obtenção de tubos, peças, componentes, objetos, utensílios e outras embalagens.

O escopo do trabalho desenvolvido por Josânia foi a caracterização e o desenvolvimento de tratamento da água liberada no processo de lavagem, pois neste efluente existem vários tipos de sujeira (poluentes), muita cola, rótulos e plásticos que escaparam da centrifugação. Por isso, a primeira etapa do processo consiste na utilização de tanque de sedimentação, onde os plásticos presentes no efluente são separados por diferença de densidade, o que permite a recuperação da matéria-prima que se perderia. A diferença de densidade permite que nesta etapa se faça também a separação de cola, rótulos, entre outros resíduos. O lodo gerado é destinado a leito de secagem para redução do volume de água e posterior encaminhamento para aterro.

Na etapa seguinte, a fase líquida passa por peneira estática para retirada dos plásticos ainda presentes e de outros resíduos. O efluente vai então para um tanque equalizador – conhecido como “pulmão” –, onde ocorre a degradação da matéria orgânica. Em seguida, o efluente entra em um conjunto de compartimentos que constituem o Reator Anaeróbico Compartimentado (RAC) em que, por meio de processo anaeróbico, ocorre a remoção dos poluentes. Os lodos resultantes nos tanque pulmão e no RAC indicam possibilidade de uso agrícola.

A etapa final do tratamento ocorre em leitos cultivados de taboa (espécie Typha domingensis), cujas raízes e meio suporte (brita) funcionam como filtros, em especial para nitratos, fosfatos e metais pesados. Nesta fase, a ação do sol contribui sobremaneira para redução dos coliformes.

A pesquisadora destaca que, para cada uma das quatro principais etapas do processo de tratamento, estabeleceram-se tempos adequados, que perfazem cerca de 33 horas. “É o que podemos chamar de ciclo total do processo, pois as informações mostram a possibilidade de recirculação do efluente, gerando economia de água e atendimento à legislação”.

Agenda 21 – A sociedade civil tem tomado consciência cada vez maior, principalmente a partir das três últimas décadas, da necessidade da reciclagem como forma de apoio ao desenvolvimento sustentável, que alia progresso tecnológico e preservação ambiental. A sustentabilidade incorpora a idéia de continuidade e tecnologias limpas em toda a atividade econômica. A reciclagem, que enfoca particularmente os resíduos sólidos urbanos, entre os quais os plásticos, porque não biodegradáveis, tem merecido destaque na mídia e atenção particular de empresas governamentais e ONGs, que contribuem para a formação da opinião pública, mudanças de comportamento e desencadeiam pressões sobre as empresas em geral.

A idéia de modelo de construção sustentável global surgido nos anos de 1970 levou ao estabelecimento em, 1992, da Agenda 21, durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente (Eco-92), no Rio de Janeiro. A Agenda 21 constitui um processo de construção coletiva de políticas públicas e ações integradas pelos poderes públicos, sociedade civil e empresas visando o desenvolvimento sustentável, inclusão social e respeito à qualidade de vida e meio ambiente. Foram estes os princípios que orientaram o trabalho de Josânia Abreu Gondim.

(Envolverde/Jornal da Unicamp, 19/07/2007)


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