A primeira bacia de decantação que a Rio Capim Caulim construiu para receber os rejeitos da sua fábrica, em Barcarena, dispunha de uma estação de tratamento de efluentes. A estação fazia a alcalinização dos restos do branqueamento da argila, que são bombeados para a estação de rejeitos, reduzindo a valores aceitáveis seus níveis de sulfatos, nitrogênio amonical e sólidos totais dissolvidos, como ferro, cádmio e zinco.
Assim, o líquido leitoso e branco que resulta do processo industrial, com o uso de produtos químicos, deixa de ser agressivo à natureza e ao homem quando é despejado na drenagem natural - no caso, o igarapé Curuperê e o rio Dendê. Mas a estação da primeira bacia funcionou por pouco tempo. Até hoje está inativa. Os dois grandes tanques construídos em seguida não tiveram mais sua estação.
A antiga RCC, que pertencia à Construtora Mendes Júnior, foi adquirida pela multinacional francesa Imerys. A capacidade da fábrica, que era de 300 mil toneladas, está sendo expandida atualmente para um milhão de toneladas, tornando-se uma das maiores do mundo. Mas os locais de destinação dos rejeitos industriais não acompanharam esse crescimento, nem na área física escavada no solo para receber essa massa líquida, nem nos métodos de tratamento.
Há quase quatro anos vêm sendo registrados sucessivos e cada vez mais graves acidentes, provocados pelas falhas na contenção dos efluentes e pelo seu tratamento incorreto. Ao serem lançados diretamente no igarapé Curuperê, eles causam "impactos gravíssimos e que precisam urgentemente ser corrigidos ou corre-se o risco de futuramente não ser mais possível sua remedição", diz o relatório dos técnicos da Seção de Meio Ambiente do Instituto Evandro Chagas, que fizeram vários levantamentos na área desde 2003 e a inspecionaram novamente logo em seguida ao acidente.
Como é elevada a carga de efluentes da fábrica, a poluição atinge também, "mesmo que em menor intensidade", o igarapé Dendê, onde moram 50 pessoas. Só que nesse caso acarreta "problemas sociais gravíssimos para famílias que dependem da pesca de subsistência nessa drenagem".
A Imerys Rio Capim Caulim fez ouvidos de mercador às advertências e recomendações. Em outubro de 2003 ela prometeu que na próxima bacia de decantação os efluentes seriam tratados e reaproveitados dentro dela mesmo, sem lançamento para fora. Não cumpriu a palavra. Além disso, volumes crescentes de material depositado pressionavam as paredes de contenção das bacias, que não foram projetadas adequadamente para suportar essa carga.
A conseqüência já era previsível: no dia 11 de junho, depois de um contínuo processo de infiltração e percolação, a terceira bacia se rompeu, vazando 450 mil metros cúbicos de caulim para a área próxima, no maior acidente industrial com impacto ecológico já documentado no Pará.
A empresa foi punida com a suspensão do seu funcionamento durante pouco mais de três semanas, mas seu comportamento desidioso e omisso não foi suficientemente esclarecido. A subestimação do significado do acidente operacional permitiu que no dia 5 a Secretaria de Estado do Meio Ambiente levantasse o interdito da usina de beneficiamento de caulim da Imerys. Para conseguir o benefício, a empresa se comprometeu a cumprir um decálogo de providências estabelecidas pela secretaria.
Nenhum dos itens, entretanto, previu a reativação da estação de tratamento da bacia nº 1 (ou seu remanejamento para outra bacia, se a primeira bacia, esgotada, não suportar mais carga), a instalação do equipamento nas duas bacias em operação e nas outras duas que a Imerys se comprometeu a instalar imediatamente, para dar conta da vazão crescente de rejeitos industriais. Isto significa que os cursos d’água naturais sob a influência da fábrica, todos eles habitados, continuarão impróprios para uso doméstico e até para banho porque apresentam condições físicas, químicas e de material sólido incompatíveis. Pelo mesmo motivo, continuarão a causar danos à natureza.
A agressão que a Imerys causa é ampla. As áreas de deposição de rejeitos não são suficientemente impermeáveis: foi constatada a infiltração de material para a água subterrânea, contaminando os poços que a população do bairro industrial construiu para se abastecer. Hoje, a água potável que esses moradores utilizam vem, irregularmente, através de canalização, de Vila do Conde. Os poços ficaram inservíveis.
O despejo superficial também é agressivo. Os moradores das proximidades dizem que depois do funcionamento da fábrica começaram a aparecer nos igarapés "quantidades gigantescas" de espumas, seguindo-se um processo de decantação, "no qual as águas ficam límpidas e transparentes", conforme relataram, em agosto do ano passado, aos técnicos do "Evandro Chagas".
O fenômeno provocou o desaparecimento dos peixes e camarões que povoavam esses cursos d’água. Como a pesca é a principal atividade de subsistência dos habitantes dos igarapés, eles passaram a se deslocar por vários quilômetros atrás de novos cardumes. Mas não foi só a sua atividade produtiva que foi afetada: a água não serve mais para uso doméstico, nem para banho. Mesmo assim, crianças e adultos ainda mergulham nos igarapés, o que lhes provoca coceiras.
A Imerys assumiu o compromisso de, entre outras tarefas, apresentar, no prazo de 15 dias, estudos geotécnicos sobre a viabilidade de possível reutilização da bacia nº 3, que até esse momento ficará parada; iniciar a construção do dreno para controlar possíveis infiltrações das bacias, e encaminhar imediatamente a solicitação da Licença de Instalação das bacias 4 e 5. Mas essas providências não estão à altura do impacto que a fábrica já tem e terá ainda mais, com a adição de 300 mil toneladas à sua capacidade atual de produção, que é o dobro da que tinha quando começou a funcionar. E a perspectiva de mais 500 mil toneladas.
Com a repercussão internacional do acidente, seguido da interdição, o vice-presidente Executivo Mundial para Pigmentos e Minerais Especiais da Imerys, Jens Birgersson, veio a Belém. Ressaltando o porte do investimento que a sua empresa realiza em Barcarena para torná-la uma das maiores fábricas do mundo, garantiu que "não haverá limites de recursos para as questões ambientais". Para que isso aconteça, a Imerys vai ter que mudar a postura que adotou até agora no Pará e provar que mudou. Só a sua palavra não vale mais.
(Por Lúcio Flávio Pinto*,
Adital, 17/07/2007)
* Jornalista