O mercado mundial de madeira e outros produtos florestais produzidos por comunidades tradicionais em países tropicais movimenta cerca US$ 150 bilhões por ano, segundo um relatório divulgado ontem pela Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO, na sigla em inglês) em Rio Branco, no Acre. Apesar disso, o setor ainda sofre com a burocracia excessiva e a falta de apoio governamental - fatores que limitam sua capacidade de conservar as florestas e tirar sustento delas ao mesmo tempo, segundo o documento.
O estudo mostra ainda que, considerando-se todos os investimentos informais que são feitos no gerenciamento e manutenção dos recursos naturais explorados, esses empreendimentos comunitários injetam US$ 2,5 bilhões por ano na conservação de florestas tropicais - mais que o dobro do valor investido pelos governos dos mesmos países. Mas, nem por isso, recebem o suporte legal e financeiro necessário para modernizar suas operações.
Lideranças sociais da Amazônia aproveitaram o relatório para exigir do governo federal a elaboração de uma Política Nacional de Apoio ao Manejo Florestal Comunitário. Uma carta nesse sentido foi entregue à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no domingo, após a abertura de uma conferência promovida pela ITTO no Acre. Entidades pedem, por exemplo, a criação de linhas de crédito específicas para o manejo comunitário, regulamentação fundiária e investimentos em infra-estrutura para beneficiamento e escoamento dos produtos florestais.
“Temos um marco regulatório para empresas, mas não para famílias e comunidades tradicionais”, disse ao Estado o presidente do conselho-diretor da FSC Brasil e membro do grupo de trabalho de Manejo Florestal Comunitário, Rubens Gomes. “Ficamos numa situação de fragilidade total, dependendo de articulações políticas para a aprovação de cada plano de manejo.”
O manejo comunitário é aquele praticado por comunidades tradicionais da floresta, ao contrário de empresas privadas, para exploração de madeira e outros produtos florestais, como fibras, sementes, frutos e resinas. Os empreendimentos são tipicamente pequenos, mal equipados e de baixa competitividade. Mas, com um pouco de ajuda, podem se tornar uma maneira lucrativa de preservar as florestas, segundo o estudo da ITTO.
O relatório é baseado em exemplos de empreendimentos comunitários de sucesso em diversos países tropicais, como China, Índia, Camarões, Honduras, Bolívia e Colômbia. Dois projetos brasileiros são destacados: a exploração de castanha-do-Brasil, em Manicoré, e de madeira, em Mamirauá, ambos no Amazonas. A ITTO é uma organização intergovernamental, com sede no Japão, voltada ao uso sustentável dos recursos florestais.
Competição desleal
Para o diretor-executivo da ITTO, Manoel Sobral Filho, o governo deveria financiar empreendimentos comunitários da mesma forma que subsidia a indústria de florestas plantadas. “A floresta natural é muito pouco competitiva”, disse.
Segundo ele, é preciso compensar essa falta de competitividade com subsídios e pagamento por serviços ambientais fornecidos pela floresta, como a conservação da biodiversidade, regulação climática, absorção de carbono e proteção dos recursos hídricos.
“É um problema econômico”, disse. “Temos de desenvolver a floresta como uma opção economicamente viável de uso do solo.” No Acre, segundo ele, um hectare de floresta custa cinco vezes menos do que um hectare de área desmatada - que pode ser mais facilmente aproveitada para a agricultura e pecuária.
A burocracia é outro problema. “É muito mais fácil no Brasil conseguir uma licença de desmatamento do que uma licença de manejo florestal”, aponta Sobral. “Acho que o desafio agora é principalmente regulatório”, completa Andy White, co-autor do relatório e coordenador da Iniciativa para Direitos e Recursos Naturais. A burocracia excessiva, segundo ele, reduz a capacidade competitiva dos pequenos produtores e acaba incentivando a ilegalidade.
“As pessoas têm de ser capazes de usar suas florestas e se beneficiar delas”, afirmou White. “Só assim você garante mais florestas e menos pobreza.”
O diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Tasso Azevedo, reconheceu que a burocracia é um problema, mas disse o governo já está atuando sobre várias das exigências apresentadas . “A sociedade quer que a gente tenha essa burocracia, que controlemos tudo, e isso acaba criando dificuldades”, disse.
O crédito disponível para pequenas atividades florestais no País, segundo ele, cresceu de R$ 2 milhões para R$ 150 milhões nos últimos cinco anos.
ValoresUS$ 150 bi
é o valor movimentado no mundo por madeira e outros produtos florestais de empreendimentos comunitários
US$ 2,5 bi
é o valor investido por famílias e comunidades tradicionais na conservação das florestas que são exploradas por elas.
(Por Herton Escobar,
Estado de S. Paulo, 17/07/2007)