SÃO PAULO – Em reunião no gabinete do ministro Carlos Lupi (Trabalho e Emprego), o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego foi acusado de abuso de poder por parlamentares que apóiam a usina de açúcar e álcool Pagrisa, da qual foram resgatados mais de mil trabalhadores na última semana.
Articularam a reunião, ocorrida na última quinta-feira (12/07), o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e o deputados Giovanni Queiroz (PDT-PA). Também estava presente o deputado Paulo Rocha (PT-PA), o que é uma surpresa, pois ele é um dos autores da proposta de emenda constitucional que prevê o confisco de terras em que trabalho escravo for encontrado e que tramita no Congresso há 12 anos. O projeto é considerado uma das principais bandeiras no combate à escravidão. Completavam os presentes o presidente da empresa, Marcos Villela Zancaner, o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará, José Conrado, e o presidente da Confederação Nacional da Pesca e Aqüicultura, Fernando Ferreira.
O ministro Carlos Lupi e a secretária nacional de inspeção do trabalho, Ruth Vilela, ouviram os duros ataques contra o grupo móvel e contra o Ministério do Trabalho e Emprego proferidos pelo senador Flexa Ribeiro. Os demais presentes lançaram dúvidas sobre a fiscalização e o conceito de escravidão moderna, apesar do crime estar previsto no artigo 149 do Código Penal e de ter sido reconhecido pelo país através de convenções internacionais do qual o Brasil é signatário.
A natureza da reunião teve características de “tribunal sumário” contra a fiscalização, como afirmou Vilela no encontro. Ela defendeu a atuação do grupo móvel e reafirmou os graves problemas na lavoura de cana. Flexa Ribeiro diz que vai convocá-la e o chefe da operação na Pagrisa, Humberto Célio Pereira, a prestarem esclarecimentos para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, no mês de agosto.
Flexa Ribeiro teria argumentado que a Pagrisa é uma empresa que beneficia 760 mil toneladas de cana, produz 50 milhões de litros de álcool, tem 1.800 funcionários com carteira assinada, todos eles com moradia, com água encanada, com energia elétrica e saneamento, atendimento médico gratuito, plano de saúde subsidiado em 50%, alimentação subsidiada dentro dos limites da lei e seguro de vida para todos os colaboradores.
Contudo, Humberto Pereira afirma que a situação dos trabalhadores é degradante, com trabalhadores ganhando menos de R$ 10,00 por mês, já que os descontos ilegais realizados pela empresa consumiam quase tudo o que havia para receber de salário. O auditor informa ainda que a comida fornecida aos trabalhadores estava estragada e havia várias pessoas sofrendo de náuseas e diarréia.
A água para beber, segundo relato dos empregados na fazenda, era a mesma utilizada na irrigação da cana e, de tão suja, parecia caldo de feijão. O alojamento, de acordo com Humberto, estava superlotado (não havia espaço para todos) e o esgoto corria a céu aberto. Vindos em sua maioria do Maranhão e do Piauí, não havia transporte à disposição dos trabalhadores para levá-los da fazenda ao centro de Ulianópolis, distante 40 quilômetros. Vale lembrar que é comum os empregadores assinarem a carteira de trabalho apenas para enganar a fiscalização, mas não garantir as mínimas condições de vida aos trabalhadores.
A Petrobras, a Ipiranga, entre outras distribuidoras de combustíveis signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo afirmaram que estão deixando de comercializar com a empresa até que seja regularizada sua situação trabalhista.
Criado em 1995, o grupo móvel de fiscalização é composto por auditores fiscais do MTE, procuradores do Ministério Público do Trabalho e agentes e delegados da Polícia Federal. Eles apuram denúncias e, quando encontram irregularidades, restituem os direitos dos trabalhadores. O grupo é considerado o principal instrumento de combate à escravidão no país e a sua atuação, que libertou mais de 26 mil pessoas até hoje, é responsável por transformar o país em referência internacional nessa área.
Lupi pediu para que fossem encaminhadas as reclamações ao ministério, onde elas seriam averigüadas. Por diversas vezes, já houve tentativa de interferência política no trabalho do grupo móvel, principalmente quando os proprietários das fazendas eram políticos ou empresários importantes. Um exemplo foi o caso do segundo secretário da Câmara Inocêncio Oliveira (PR-PE), de cuja fazenda foram libertados 53 trabalhadores no Maranhão em 2002. Na época, houve tentativas para se abafar o caso, mas o governo federal manteve a fiscalização.
Da mesma forma, o MTE e empresas socialmente responsáveis sofreram pressão de deputados federais, inclusive do então presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti, devido à operação de fiscalização que libertou 1003 pessoas da Destilaria Gameleira, em Confresa (MT), em junho de 2005. Na época, o ministro Ricardo Berzoini chegou a expulsar representantes da empresa que vieram pressioná-lo em seu gabinete.
(Por Leonardo Sakamoto,
Repórter Brasil, 16/07/2007)