"Se a Amazônia fosse boa para a cana, os portugueses já teriam acabado com ela". Essa foi a ironia utilizada pelo presidente Lula na Cúpula Econômica da União Européia para satisfazer as exigências ambientais - tão hipócritas - do grande capital. Em parte o presidente tem razão. Afinal, o bioma devastado pelos portugueses foi a Mata Atlântica, propícia para a cana. Restou apenas a monotonia verde dos canaviais do Recôncavo Baiano até à Paraíba, junto com uma elite usineira nababesca e a miséria do povo. A Amazônia permaneceu de pé. Porém, param por aí as razões do presidente.
O Brasil tem seis grandes biomas - Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa -, um deles já devastado pela cana, isto é, a Mata Atlântica. Hoje a cana tomou conta de São Paulo, avança sobre o Cerrado, Pantanal e, de forma perversa e irrigada, sobre as melhores manchas de solo da caatinga, a exemplo da Agrovale aqui em Juazeiro da Bahia, com seus 15 mil hectares de cana irrigada para produzir álcool e açúcar. O povo passa sede, mas a cana tem água em abundância. O presidente poderia ter dito ainda que os europeus estavam enganados, que o avanço sobre a Amazônia é das madeireiras, abrindo caminho para o boi e depois para soja. Portanto, a devastação amazônica segue outra lógica, mas também é devastação. Avançar com cana sobre o Pantanal e a Caatinga é tão devastador e perverso quanto avançar sobre a Amazônia com madeireiras, boi e soja. Portanto, Lula apenas tapou a fumaça com a peneira.
O Brasil precisa mudar sua matriz energética para solar e eólica, mas Lula prefere hidroelétricas e nucleares. O Brasil precisaria repensar seu modelo de transporte, mas Lula prefere sustentar a indústria automobilística com os agrocombustiveis. O Brasil tem uma vasta biodiversidade que pode ser a base de riquezas valorizadas como fármacos e essências, mas prefere as monoculturas.
Pensávamos que Lula seria o primeiro presidente de uma nova era brasileira. Contentou-se em ser o melhor da era antiga. Sua cabeça e seu governo não entraram no terceiro milênio. Se fosse assim poria todas as energias do governo, com os melhores cérebros, as entidades de pesquisa, os movimentos sociais, etc., para reinventar o Brasil e aproveitar nosso potencial de solos, água, sol e biodiversidade de forma inteligente. Porém, ele prefere ser o top model do agronegócio brasileiro.
(Por Roberto Malvezzi, Gogó*,
Adital, 11/07/2007)
* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)