Marca remanescente da escravidão, o Brasil abriga hoje cerca de 2 milhões de quilombolas, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Apesar do pouco espaço dedicado a elas na grande mídia, as comunidades quilombolas ainda se apresentam em quantidade expressiva no país e estão, mesmo que a passos lentos, sendo identificadas como tais.
De acordo com dados da Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, cerca de 740 comunidades remanescentes de quilombos já foram oficialmente mapeadas, embora grupos ligados ao movimento negro acreditem que, extra-oficialmente, este número já esteja contabilizado em mais de mil.
A classificação de uma comunidade como quilombola, entretanto, não se baseia apenas no critério de ter sido aquele território um ponto de fuga e isolamento de escravos. Estudos históricos mostram que, além da formação a partir da ocupação de terras por escravos fugidos, as comunidades de quilombolas se constituíram a partir de processos diversificados, entre os quais estão a ocupação de terras obtidas através de heranças de antecedentes (geralmente ex-escravos), recebimentos de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado ou à Igreja e compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição.
Exemplo da formação de quilombos por aglomeração de escravos fugidos são as comunidades de Bacabau, Bocajuba e Peroba, todas no estado do Pará. Marlene Rodrigues Conceição, coordenadora geral dos quilombolas do 2º Distrito, no município de Bocajuba, conta que a Associação de Remanescentes local se tornou quilombo após a fuga de escravos dos seus senhores. "Os negros fugiram e foram para lá. Eles se esconderam e abriram um túnel para atravessarem para o outro lado do rio", lembra.
A história de Bocajuba se confunde com a de centenas de outros quilombos espalhados pelo Brasil. Semelhantes também são os vários problemas que afetam essas comunidades, principalmente pela falta de reconhecimento dos seus direitos. "Na nossa comunidade chegaram alguns programas do Governo Federal, porém, ainda precisam ser implementados porque algumas famílias ainda não são beneficiadas. Além do problema das terras, há a situação educacional: as crianças ainda não têm acesso à escola", informou Haroldo Junior, da Comunidade Remanescente do Quilombo de Bacabau, em Marajó.
Já nas comunidades de Bocajuba e Peroba, entretanto, a questão da educação parece ter sido amenizada pela inserção de programas governamentais. "Alguns órgãos do Governo Federal estão ajudando a nossa comunidade. Já temos transporte escolar para conduzir os alunos da comunidade quilombola para a outra localidade vizinha e temos carro particular para levar algum doente", afirmou Adriano de Souza Espíndola, da comunidade da Peroba, município de Luís Correia (Pará).
Quanto à questão da regularização e titulação das terras, as reclamações vêm de todos os lados. "Estamos numa grande briga com os latifundiários que se dizem donos da terra, porém, nós dizemos que a terra é nossa, porque nós nascemos ali e temos todo o direito de cultivar. Queremos que eles devolvam a nossa terra e isso nós estamos cobrando das autoridades competentes", ressaltou Haroldo. "A minha área ainda não é legalizada, não tem uma titulação. Estamos em processo ainda", lembrou Marlene.
Apesar de lento, o processo de identificação e titulação de terras de comunidades quilombolas vem acontecendo. Números divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário apontam para uma crescente celeridade nos processos de titulação. Até novembro do ano passado, 21 comunidades quilombolas receberam a titularidade de suas terras, enquanto durante todo o ano de 2005, apenas quatro haviam sido tituladas e em 2004, duas. A posse da terra dada aos quilombolas em 2006 somou 25,86 mil hectares, com 1.528 famílias beneficiadas. Já em 2004 esse número havia sido de apenas 3,6 mil hectares, com 54 famílias beneficiadas.
Embora apresente números animadores, as ações de identificação e titulação de terras quilombolas ainda apresentam um arcabouço entre o ideal e a realidade em que vivem as comunidades negras. Uma pesquisa apresentada em 2005, pelo Centro de Geografia e Cartografia Aplicada (Ciga) da Universidade de Brasília (UnB), mapeou 2.228 comunidades remanescentes de quilombos em todo o País e constatou que a grande maioria delas vive sem proteção do governo. Destas, apenas 70 possuíam registro no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra - e outras 100 estavam em processo de regularização.
O processo de titulação inicia com a identificação e delimitação das áreas, passando pela publicação de uma portaria declaratória reconhecendo e declarando os limites do território quilombola, a regularização fundiária (desapropriação ou pagamento das benfeitorias de ocupantes não quilombolas) e demarcação, na qual ocorre a colocação dos marcos divisórios. Ao final do processo, é concedido o título de propriedade à comunidade, que é coletivo, pro indiviso e em nome da associação dos moradores da área, e feito seu registro no cartório de imóveis.
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Adital, 13/07/2007)