Elas são uma ameaça a plantas e animais nativos. Estudo que está sendo realizado pela Diretoria de Florestas do Ibama, em convênio com o Pnud, reconheceu 96 espécies invasoras
A gestora ambiental Ana Carla Santos Pereira, consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), especialista em ecologia e controle de plantas exóticas invasoras, é a responsável pelo levantamento de plantas exóticas nas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de Reserva Legal no sul do Brasil, iniciado em junho, num convênio do órgão com a Diretoria de Florestas (Diref) do Ibama.
Já foram identificadas 96 espécies invasoras nos campos e nas cidades da Serra Gaúcha, por onde ela começou a pesquisa, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APPs). As APPs são as áreas designadas no Código Florestal (Lei federal 4.771 de 1969) para serem conservadas ao longo dos cursos-d’água, nos topos de morros e em áreas muito inclinadas, rurais ou urbanas.
Já as áreas de Reserva Legal, também previstas no Código Florestal, são as áreas averbadas como de preservação permanente em cada propriedade agrícola (20%, no mínimo, no sul do Brasil).
Entre as espécies verificadas invadindo ativamente sistemas naturais na Serra estão o pinheiro (Pinus taeda, Pináceas, norte-americano), lírio-do-brejo (Hedychium coronarium, da família Zingiberáceas, africano), maria-sem-vergonha (Impatiens walleriana, Balsamináceas, africano), tojo (Ulex europaeus, Fabáceas, europeu), rosinha (Rosa multiflora, Rosáceas, européia), ipezinho (Tecoma stans, Bignoniáceas, norte-americano), capim-elefante (Pennisetum purpureum, Poáceas, africano), mombrécia (Crocosmia x crocosmiiflora, Iridáceas, híbrido artificial de espécies africanas) e o inhame (Colocasia esculenta, Aráceas, asiático).
Ela escolheu iniciar seu estudo pela região serrana do Estado por esta apresentar agricultura intensiva, baseada em propriedades pequenas e médias, muito propícias ao desenvolvimento de plantas exóticas. A Serra Gaúcha compreende municípios como Canela, Gramado, Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Vacaria, e municípios voltados à pecuária, como São Francisco de Paula e São José dos Ausentes, a até 1.400 metros de altitude.
As plantas foram encontradas em matas, campos naturais, banhados (brejos), afloramentos rochosos e em áreas degradadas em processo de recuperação. Diversas infestações foram encontradas no entorno de taperas (habitações rurais abandonadas), demonstrando a origem rural e agrícola das invasões, relata a consultora do Pnud.
Adaptação ao frio
Um dos resultados mais iteressantes do levantamento, destaca Ana Carla, é o fato de que diversas espécies exóticas encontradas invadindo áreas naturais eram consideradas espécies tropicais, portanto, seriam intolerantes ao frio. Porém, essas espécies, como o inhame e a maria-sem-vergonha, se adaptaram e estão invadindo pesadamente áreas naturais nessa região de temperaturas muito baixas no inverno. Outra constatação é a de que em certos ecossistemas diversas espécies invasoras convivem e somam seus efeitos destrutivos.
Os levantamentos visam principalmente conhecer a origem e a dinâmica das invasões, permitindo tornar mais eficiente o controle das plantas invasoras e mesmo prevenir as infestações, especialmente em regiões dotadas de unidades de conservação e de áreas de vegetação natural significativas.
Indagada pela EcoAgência, a consultora do Pnud afirmou que o eucalipto (Eucalyptus tereticornis, Mirtáceas), o pinheiro (Pinus taeda, Pináceas), a uva-japonesa (Hovenia dulcis, Rhamnáceas), a leucena (Leucaena leucocephala, Leguminosas) e a casuarina (Casuarina equisetifolia, Casuarináceas) são espécies silviculturais, produtoras de madeira útil, que já provaram ser infestantes de ecossistemas naturais no Rio Grande do Sul e em outros Estados brasileiros.
Por isso, segundo ela, a utilização de tais espécies deve ser acompanhada de monitoramento rigoroso que inclua, em caso de invasão de áreas proibidas, sanções legais e a obrigação de que se faça seu controle. “Em APPS, áreas de Reserva Legal e em áreas contíguas a unidades de conservação, seu plantio é vetado”, advertiu.
Cartilha para controle
Ana Carla explicou que é possível o controle das invasões de exóticas pela prevenção (evitando-se que espécies conhecidas como invasoras sejam plantadas em regiões propícias ao seu crescimento), pelo controle dos focos iniciais e pelo manejo das invasões mais sérias, utilizando-se técnicas variadas, como a capina, o arrancamento, o corte raso, o abafamento com filmes plásticos e combinações dessas e de outras técnicas.
Um dos produtos finais do levantamento, no final do ano, será a elaboração de uma cartilha ilustrada para educação ambiental, pela qual moradores, escolares e fazendeiros possam identificar as plantas invasoras, evitando seu plantio e eliminando os focos em suas propriedades.
“O prejuízo maior é ecológico, pelos impactos diretos e indiretos à biodiversidade, como redução de populações, extinção e afastamento de animais nativos que dependem de plantas nativas. Também podem ser afetados a produção de água, o clima e a qualidade do ar, pela facilitação e agravamento dos incêndios. O turismo pode ser afetado, bem como a produção agrícola e pecuária”, adverte a especialista.
As espécies invasoras ocupam o ambiente das plantas nativas, deslocando-as e sombreando-as. Também liberam no solo substâncias alelopáticas (tóxicas) que impedem o crescimento das plantas nativas. As plantas exóticas afastam animais nativos, favorecem animais domésticos e invasores, reduzem o fluxo fluvial, aumentam os riscos de incêndios, degradam o solo, entre outros impactos.
Ação do vento
Como exemplo tem-se o “pinheiro” Pinus taeda (família Pináceas), nativo dos Estados Unidos, plantado intensivamente nos campos na Serra Gaúcha. Muitos campos foram ali invadidos por plantas dessa espécie, geradas a partir de sementes levadas pelo vento. Sob as plantas dessa árvore exótica praticamente nada cresce, tornando-se a área invadida equivalente a um deserto.
Em muitas regiões do Brasil as plantas exóticas invasoras causam problemas sérios de conservação, descaracterizando áreas de vegetação natural, com prejuízo para a flora e a fauna nativas.
Na Serra da Mantiqueira, Serra do Mar e litoral do Estado de São Paulo
áreas numerosas e muito extensas de vegetação nativa têm sido descaracterizadas pela invasão de plantas exóticas, como a “bananeira-rosa” (Musa violascens, Musáceas), a “maria-sem-vergonha” (Impatiens walleriana, Balsamináceas), o “lírio-do-brejo” (Hedychium coronarium, Zingiberáceas), a mombrécia (Tritonia x crocosmiiflora, Iridáceas) e o chá verde (Camellia sinensis, Theáceas).
“Em quase todo o mundo as invasões vegetais são um problema seríssimo de conservação de ecossistemas naturais”, finaliza Ana Carla.
(Por Ulisses A. Nenê, EcoAgência, 13/07/2007)