O físico Luiz Pinguelli Rosa participou hoje da 59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Belém, como conferencista do tema “Proposta para um plano de ação para enfrentamento das mudanças de clima.” Secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e coordenador do Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pinguelli avalia o licenciamento prévio para o complexo do Rio Madeira como uma vitória da ministra Marina Silva.
“A concentração de renda no Brasil é absurda porque nós não dividimos. A concentração de energia segue a concentração de renda. Para mudar isso, precisamos de mais energia. Mas não estou vendo quem vai fazer isso. Até o PT no governo é pusilânime”, disse.
Antes da conferência, Luiz Pinguelli Rosa concedeu a entrevista a seguir:
Como o Sr. avalia o licenciamento prévio para o complexo do Rio Madeira?Entendo que foi uma vitória da ministra Marina Silva porque ela manteve uma posição bastante firme e o Ibama fez as exigências que achou por bem. É possível fazer hidrelétricas no Brasil respeitando regras de uma forma competente. A decisão foi correta.
O Sr. acredita que as condicionantes do Ibama são satisfatórias?Não sou um especialista em meio ambiente. O Brasil precisa de hidrelétricas. É o país que dispõe de mais recursos hídricos do mundo. Não existe nenhuma forma de geração de energia elétrica que não cause impactos ambientais. O que temos que fazer é minimizá-los, buscar custos razoáveis porque somos um país pobre, e ter uma forma de decisão democrática. As exigências são bem significativas e acredito que estejam bem cobertas. Na minha avaliação, sem entrar em detalhes a respeito de cada item, me parecem realmente razoáveis. O problema dos sedimentos, a busca da preservação das espécies de peixes.
O Sr. é um defensor das hidrelétricas?Não sou um defensor das hidrelétricas. Acho que o Brasil precisa se desenvolver. Sou absolutamente contra uma visão idílica de um Brasil bucólico, com uma população rica como somos nós, bem nutrida, viajando de avião pelo mundo, gastando muita energia, e o resto nessa pobreza miserável. Para distribuir a renda temos que crescer. Naturalmente, não concordo com a produção de monoculturas. Acho que esse caminho que o Brasil vai, de exportação de produtos primários, é muito ruim. Eu preferia uma sociedade de produção mais sofisticada. Mas a realidade é que é preciso ter energia. Doze milhões de pessoas não tinham energia no começo do programa Luz para Todos, quando eu estava na Eletrobrás. Talvez, no Brasil, cerca de 60 milhões de pessoas não consumam nada de energia. Um ou outro pode consumir energia para uma lâmpada porque não tem renda.
O Sr. acha que hidrelétrica ajuda a distribuir renda?Não é a hidrelétrica. Não sou defensor de hidrelétrica. Acho que cada projeto tem vantagens e desvantagens. O Brasil tem vantagem de ter recursos hídricos abundantes. É o maior do mundo, mas usa apenas 30% desses recursos. Os norte-americanos têm muito menos recursos hídricos que nós brasileiros e usam 80% da capacidade. É o primeiro país do mundo no uso de hidrelétricas instaladas, em potência. O Brasil é o quarto. Mas acho que não se pode construir qualquer coisa.
Como o Sr. vê os ambientalistas que passaram a defender a construção de usinas nucleares?Parte dos ambientalistas passou a defender o nuclear por causa do efeito estufa. Eles têm razão na medida em que não é emitido efeito estufa na operação do reator, mas há todo o problema dos rejeitos radioativos, de acidente nucleares. Angra 3 vai custar um absurdo. É curioso que ninguém está mais falando disso. Vai custar U$ 3,3 mil por kilowatts de potência. Isso é o triplo da hidrelétrica, mais caro que uma usina eólica. O nuclear, para mim, não é uma opção necessária para o Brasil hoje.
O Sr. acha que vale a pena o sacrifício ambiental da Amazônia em gerar energia para a região sudeste?Acho que se o sacrifício for muito grande, não se deve construir a hidrelétrica. Acho que deve haver compensações. É preciso desenvolver a Amazônia de uma forma harmônica. Acho que a Amazônia não pode ficar um jardim para anglo-saxão passear, mas também não deve ser destruída. Defendo metas para a redução do desmatamento. Estou praticamente isolado nessa posição. O governo não está a favor e o próprio Ministério do Meio Ambiente está indeciso quanto à questão. Acho que deve haver metas: no próximo ano vamos reduzir o desmatamento em tantos por cento. Não já reduzimos nos três últimos anos? Essa é uma questão importante para a Amazônia. Os desmatamentos não são causados pelas hidrelétricas. O desmatamento está por toda parte. Se você pegar a área ocupada por hidrelétricas, vai constatar que as áreas desmatadas não imensamente maiores. Portanto, hidrelétricas não significam o desmatamento da Amazônia. O sacrifício da região é o desmatamento, a agropecuária extensiva, o avanço desordenado da soja, a exploração ilegal de madeira. Havendo um grande consenso de que não se deve construir uma hidrelétrica, então não se deve fazer hidrelétrica na Amazônia. Isso tem que ser feito com a participação da sociedade, avaliando ganhos e perdas. Insisto que não há nenhuma possibilidade de geração de energia elétrica sem nenhum dano ao meio ambiente. A eólica é feita de aço e quando existirem muitos geradores, esses vão aumentar a emissão de gases.
Dizem que as usinas do Madeira terão impactos além da fronteira, em território boliviano. O que acha disso?Não vejo problema algum. A Bolívia e o Brasil são a mesma coisa. Fui da Eletrobrás, acho que Itaipu foi uma coisa interessante, e na época fiz bastante críticas à dimensão da obra por causa da enorme acumulação de água. Mas Itaipu é benéfica pro Paraguai também.
Nessas grandes obras prevalece o interesse das construtoras ou da sociedade?No capitalismo, tudo o que a gente faz envolve o capital. Acho até que não deveria ser as grandes construtoras a tomar conta das obras, mas a Eletrobrás, o que é uma discordância profunda para com o governo. Deveria ser um programa público. Claro que a construtora tem que ser privada, mas a gestão da obra não deveria ser como estão fazendo. Provavelmente a construtora Odebrecht vai ganhar. Mas no capitalismo é assim: você compra um remédio e paga um dinheiro enorme para o capital, mas ninguém deixa de tomar o remédio. O que devemos fazer é nos colocarmos contra os exageros, os absurdos. Não sou a favor de fazer tal ou qual hidrelétrica. Acho que o Brasil precisa se desenvolver. Acho que nós somos, como dizia o Darcy Ribeiro, uma das elites mais perversas do mundo. Somos nós que mantemos a população de miséria. A concentração de renda no Brasil é absurda porque nós não dividimos. A concentração de energia segue a concentração de renda. Para mudar isso, precisamos de mais energia. Mas não estou vendo quem vai fazer isso. Até o PT no governo é pusilânime. Quem mais?
(Por Altino Machado,
Amazonia.org.br, 11/07/2007)