SÃO PAULO – Nesta terça-feira (10), um dia após a concessão da licença ambiental das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, o governo boliviano expressou seu desagrado com o que considerou um atropelo das negociações bilaterais sobre a questão.
A possibilidade de que as usinas afetem seu território tem sido uma preocupação do governo boliviano desde o ano passado, uma vez que hidrelétrica de Jirau se encontra a 84 km da fronteira, com uma barragem de 258 km2, enquanto o projeto de Santo Antonio fica a 190 km2 e prevê um reservatório de 271 km2. Os questionamentos da Bolívia se baseiam, entre outros, em estudos do hidrólogo Jorge Molina, diretor do Instituto de Hidráulica e Hidrologia da Universidad Mayor de San Andrés, em La Paz, que apontam uma extensão na Bolívia dos impactos socioambientais que ocorrerão em território brasileiro, como possíveis alagamentos, ameaça a população de peixes e epidemias de malária, entre outros efeitos.
“Como manifestamos em reiteradas oportunidades, a Bolívia considera que, antes de realizar uma licitação de projetos hidrelétricos tão próximos ao território boliviano, é necessário realizar estudos de impacto ambiental integrais que abarquem toda a extensão da bacia do Madeira, incluindo, obviamente, a área compreendida em território boliviano. (...) Nesta medida, lamentamos e expressamos a nossa contrariedade porque se procedeu a expedição da licença ambiental para a licitação destas hidrelétricas antes de ter sido realizadas esta análise integral dos impactos ambientais, sociais e econômicos considerando os afluentes do Madeira que se encontram em território boliviano”, afirma o ministro das relações exteriores da Bolívia, David Choquehuanca, em uma carta enviada ao chanceler Celso Amorim na última terça.
Choquehuanca também questiona o não envio ao seu governo de todos os estudos de impacto ambiental, como havia sido acordado durante reuniões bilaterais no ano passado. Segundo o ministro, a preocupação aumenta “quando lemos as 33 condicionalidades que a licença estabelece como medidas de mitigação dos projetos, já que muitas têm alcance internacional e envolvem também a Bolívia” - como medidas para monitorar os impactos sobre os recursos pesqueiros, sobre a malária, as taxas de sedimentação e o aumento do nível de mercúrio no rio, entre outros -, o que confirmaria “que é imperativo fazer um estudo de impacto ambiental também na Bolívia antes de prosseguir com os empreendimentos hidrelétricos”.
NegociaçõesDiplomaticamente, a cobrança do governo boliviano se justifica em função da negociação, desde o ano passado, e da constituição em fevereiro deste ano, de uma comissão técnica bilateral que teria a função de discutir a questão. Além disso, argumenta o chanceler boliviano, os dois países firmaram diversos acordos sobre proteção, pesquisa, navegação fluvial, uso e intercâmbio de informações sobre os recursos amazônicos e, em especial, nas áreas fronteiriças, que não estariam sendo respeitados.
Procurada pela reportagem, a assessoria do Ministério das Relações Exteriores apenas informou que o Itamaraty não tem posição oficial sobre a questão, e que, de fato, apesar de formalmente criada, a comissão técnica de discussão sobre as hidrelétricas do Madeira nunca foi ativada.
Já o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, chegou a negar nesta quarta (11) que o governo boliviano tivesse feito alguma reclamação formal sobre as usinas. Segundo reportagem da BBC, apesar de afirmar que o Brasil deverá estender à região as medidas mitigatórias adotadas no país, Garcia também afirmou que as hidrelétricas seriam um tema nacional que diz respeito somente ao Brasil.
Esta, porém, não é a posição boliviana. No final da carta a Celso Amorim, Choquehuanca pede um “encontro político de alto nível” urgente com o Brasil para discutir a problemática, além do envio, ao seu governo, dos últimos estudos de impacto ambiental e demais informações relevantes sobre as hidrelétricas.
“Estimado Celso, não vou negar a gravidade do problema, mas estou certo que o diálogo, a compreensão e a vontade de nossos governos, encontraremos uma solução satisfatória para nosso dois países e para o meio ambiente”, conclui o chanceler boliviano.
Procurado pela reportagem da Carta Maior nesta quinta, Garcia avisou que não se pronunciaria sobre o documento, de cuja existência só teria se inteirado há pouco. Segundo o assessor da Presidência, este tema será tratado no âmbito do Itamaraty, que estaria discutindo a questão.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 12/07/2007)