A persistência de objetivos no longo prazo é virtude pouco cultivada no Brasil. Todavia o momento remete a três exceções. Primeira, a consolidação da cadeia produtiva da indústria aeronáutica a partir de um núcleo pioneiro de pesquisa que, em três décadas, culminou no poder competitivo da Embraer. Em parte com origem no mesmo núcleo houve o contínuo aperfeiçoamento do etanol e do biodiesel como combustíveis e que, também em três décadas, chegou à difusão dos motores multicombustíveis. Por fim, a estabilidade monetária, que afastou - espera-se, em definitivo - a ameaça da inflação. A desestabilização da economia por décadas degradou a capacidade de gerar inovações. Em 12 anos, a estabilidade permitiu ao País tornar-se competitivo em bens industriais, agrícolas e serviços de alta tecnologia.
Nos três exemplos, o mérito do governo Lula foi o de manter a continuidade dos objetivos e, no caso dos biocombustíveis, promover o seu resgate como política pública. Desde o abandono do Proálcool - criado no governo Geisel, em plena crise do petróleo -, o esforço de pesquisa e desenvolvimento se deu sem o apoio de políticas explícitas. De lá para cá muita coisa mudou. Com o apoio da Embrapa, cresceram significativamente os níveis de produtividade dos canaviais. A indústria automobilística percebeu a necessidade de dispor de alternativas e a Petrobrás superou a postura de empresa petrolífera, convencendo-se de que era uma produtora de insumos energéticos e combustíveis, independentemente da fonte primária.
Buscando superar limitações domésticas, os biocombustíveis acabaram por ser um trunfo do Brasil ante os problemas do aquecimento global e ameaças ao suprimento de petróleo. Adicionar etanol à gasolina e abastecer motores diesel com óleos de origem vegetal se tornaram objetivos da política energética dos Estados Unidos e União Européia. O Brasil entrou em cena como um importante “player” no mercado energético globalizado. A transformação do álcool (e, depois, do biodiesel) em “commodity” fará do País um exportador com forte poder de competição. Com elevadíssimos subsídios, o etanol de milho norte-americano representa 45% da produção mundial, mas responde por apenas 3,5% do combustível consumido no país. O etanol dos canaviais brasileiros é mais barato e mais limpo. A produção não depende de subsídios e responde por 42% da produção mundial, e 2/3 dos nossos automóveis podem funcionar com álcool.
No entanto, o vigor deste setor é alvo de enfrentamentos. Primeiro, o conflito entre as produções de biocombustíveis e de alimentos. O presidente Lula lembrou que “a experiência brasileira não compromete a segurança alimentar”. O que é verdade, considerando os elevados níveis de produtividade da nossa agricultura moderna. Com um mínimo de planejamento e delimitações de áreas de expansão, pode-se impedir a redução da área para produzir alimentos. O segundo problema é mais complexo e impõe riscos. Durante a cúpula empresarial com o Brasil, os europeus indicaram a disposição de impor barreiras não tarifárias ao etanol brasileiro. As preocupações são com a certificação das empresas produtoras e a ocupação de áreas da Amazônia para produzir etanol.
Com relação ao desmatamento, os usineiros afirmam que “o risco dos canaviais invadirem a Amazônia é quase o mesmo de os produtores de vinho da região da Borgonha expandirem suas plantações de uva até a Sibéria”. Mas sabemos que os riscos não se restringem à Amazônia. A tradição brasileira de ocupação desordenada do território e de predação ambiental nos tira o conforto nas negociações internacionais. O mais seguro será o Brasil adiantar-se e adotar um processo de certificação, indispensável para dar às produções de etanol e biodiesel um selo de qualidade, e obter reconhecimento internacional. Biocombustíveis certificados são produzidos de forma sustentável e cumprem todos os requisitos de proteção ambiental e social. Ou seja, são garantia contra desmatamentos, poluição dos recursos hídricos e degradação da mão-de-obra em toda a cadeia produtiva. Os biocombustíveis podem representar uma grande oportunidade de testar a eficácia do modelo de responsabilidade social e ambiental de empresas.
(Por Josef Barat*,
Estado de S. Paulo, 13/07/2007)
*Josef Barat é economista, autor do livro Logística, transporte e desenvolvimento econômico: história, atualidade e perspectivas