"Diferentemente de alguns outros centros, no Acre a pesquisa está mais próxima do mercado. O trabalho de homens como Jorge Viana e Gilberto Siqueira foram extremamente salutares para o desenvolvimento de pesquisa diversificada e bem mais próxima da população do que quando começou há 20 anos, quando a Fundação trabalhava apenas com o Latemac (Laboratório de Madeira), para aproveitamento de produtos florestais", disse ontem João César Dotto, secretário de Desenvolvimento Estadual de Ciência e Tecnologia e também diretor-presidente da Funtac (Fundação de Tecnologia do Acre).
Dentre as novas áreas de atuação da Funtac está o Centro de Referência de Energia de Fontes Renováveis, que atualmente vem desenvolvendo a cadeia piloto de geração de energia com uso de biocombustíveis.
Dentre outros equipamentos de alta precisão, no Centro está instalada e funcionando uma moderna usina de transesterificação de óleos vegetais. O processo consiste em promover uma reação química onde se mistura o óleo vegetal de qualquer origem com álcool (metanol ou etanol) e um catalisador que gera glicerina e biodiesel. Na usina é possível fazer biodiesel de cultivares como mamona, dendê, girassol, amendoim, nabo forrageiro, pinhão manso e outros.
A mamona é nativa no Acre, mas ainda não é cultivada em larga escala. Diante deste quadro, o Grupo de Trabalho do qual a Funtac faz parte (composto pela Seplands, Ufac, Eletrobrás, Eletronorte, Eletroacre, Ageac e Seaprof) achou por bem optar por essa oleaginosa por ela ser de fácil produção, alta produtividade e, por isso, poder promover uma maior inclusão social na cadeia produtiva do Estado.
Os resultados favoráveis da pesquisa da Funtac despertaram o interesse da Brasil Ecodiesel, a maior fabricante de biodiesel do país, pelo mercado acreano. Há cerca de dois meses, esteve em Rio Branco Ulda H. Peterson, a coordenadora de novos projetos da empresa. Depois de negociações com pesquisadores e dirigentes da Funtac, com setores produtivos rurais e governo do Estado, ficou definida a participação do Acre no processo de produção da nova alternativa de combustível.
No momento, os segmentos envolvidos trabalham na seleção e capacitação de cerca de 2.000 famílias da região do Baixo Acre, na distribuição de insumos e na identificação de novas propriedades onde serão feitos o plantio da espécie. Também se analisa a concorrência que a mamona pode fazer com os produtos de subsistência desses agricultores.
A produtividade média da oleaginosa na região é de 600 quilos/hectare, menor que a do Nordeste, que é de 1.500kg/ha, mas, mesmo assim, sabe-se que o negócio pode ser rentável. Já na primeira safra, cada quilo de semente da mamona será comprado pelo preço de R$ 0,60. Isso pode representar um ganho médio de R$ 360/ha. "Vai ser bom porque cada produtor vai ter assistência técnica, semente híbrida, ferramenta adequada, adubos e transporte da produção", garante Nadma Kunrath, gerente de Pesquisas de Energia de Fontes Renováveis da Funtac. Ela diz também que essa é mais uma alternativa para o produtor local, que pode e deve continuar plantando sua agricultura de subsistência, tais como o feijão, milho, mandioca, melancia, etc.
Investimento é seguro porque o programa do biodiesel terá continuidade
Dois fatores irão garantir os investimentos de pequenos, médios e até grandes produtores no plantio da mamona no Acre: apoio técnico e garantia da compra da safra. A Funtac, que já nos próximos dias pretende mover em caráter experimental seus veículos com o biodiesel, já recebeu a garantia do governo Binho Marques que, no futuro, toda a frota das repartições públicas estaduais também irão se movimentar com essa energia alternativa.
Atualmente, todo óleo diesel vendido no Brasil tem 2% de biodiesel. Por lei, até 2013, essa mistura será de 5%. A tendência é que essa proporção aumente na medida em que o setor produtivo também consiga atender a demanda que, somente neste ano é de 1 bilhão de litros. A Brasil Ecodiesel, que já é a maior distribuidora do produto no país, detém seis grandes usinas de processamento de oleaginosas nas regiões Centro-Oeste e Nordeste. Isso significa que, por um motivo qualquer, se o mercado local não conseguir absorver a produção, outras regiões poderão.
No Acre, com apoio da Funtac, dois empresários já vêm explorando o biodiesel. Uma usina funciona na BR-364 e outra, no município de Sena Madureira, que fundou uma cooperativa para agregar os produtores do município. O empresário que está fazendo o experimento no Vale do Iaco pretende produzir o biodiesel apenas para consumo próprio.
Os testes com o biodiesel indicam que o produto tem 100% de confiabilidade e que não causam danos de espécie alguma aos motores. Qualquer veículo pode se locomover usando apenas o biodiesel feito de óleos ou gorduras de origem animal. A questão é ter matéria-prima para atender a demanda. "Recentemente, um grupo de empresários acreanos se juntou para se inteirar sobre a produção do biodiesel no Estado", disse o engenheiro químico Carlos Garção, pesquisador e consultor em biodiesel da Funtac, informando também que, no momento, o grupo estuda junto a Fundação a viabilidade do negócio.
Tendência da produção do biodiesel é aumentar cada vez mais
A discussão sobre a necessidade de se criar energia a partir de fontes renováveis tomou corpo a partir da crise do petróleo no início da década de 70, mas ela se intensificou ainda mais nos últimos anos, com a constatação de que os resíduos do gás carbônico - exalados principalmente pelas descargas dos veículos - vêm provocando a destruição da camada de ozônio que encobre e protege o planeta terra dos nocivos raios ultravioletas do sol.
A partir daí, a comunidade científica começou a pesquisar outros tipos de combustíveis que causassem menos mal ao meio ambiente. Dentre outras alternativas, surgiu o biodiesel, um combustível renovável e biodegradável, obtido com a reação química de óleos ou gorduras de origem animal. Na rea-lidade, Diesel - o inventor desse combustível - já havia feito testes no final do século XIX com esses produtos, antes mesmo de começar a trabalhar com o petróleo, que é extraído dentre as placas tectônicas da terra.
Depois do bem-sucedido programa Pro Álcool, no início dos anos 80, o governo brasileiro - através do pesquisador cearense Expedito Parente - deu um grande salto na criação em escala industrial do biodiesel que estimulou e ainda continua incentivando outros países a caminharem nessa mesma direção.
As intermináveis guerras no Oriente Médio que implicam nas constantes altas no preço do petróleo e o sucesso da pesquisa brasileira serviram de base para que a política energética do governo Lula, mesmo com a recente auto-suficiência do petróleo, determinasse que todo óleo diesel vendido no Brasil tivesse, no mínimo, 2% de biodiesel. ´
Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo), até 2013, essa mistura deve ser de 5%. Haverá aumento desse percentual nos próximos anos? A resposta está nos investimentos a serem feitos na infra-estrutura das indústrias, nas distribuidoras e na agricultura, o setor responsável pela continuidade do programa e pelo sucesso do equilíbrio da balança comercial brasileira. O Acre está fazendo a sua parte.
(Por Cleber Borges,
A Gazeta, 12/07/2007)